TEMPOS EM TEMPOS – O ciclo da vida em quatro estações
(dança, 2008)
Sem Censura Cia de Dança
Arthur Marques e Evana Arruda
foto: TV Cabo Branco.
Aparentemente, se o problema do clichê apresentado logo no subtítulo poderia ser resolvido com um espetáculo de grande qualidade, temos uma ponta de frustração. Sim, criei algumas expetativas, graças ao agradável Luz (da mesma companhia) que assisti em alguma das últimas edições do Fenart.
As virtudes de Tempos em Tempos não são difíceis de encontrar: trata-se de um grupo bem preparado em técnica e precisão daquilo que se propõe enquanto movimentação e coreografia no espaço cênico. Na direção de Arthur e Evana há uma clara atualização ao contexto da dança contemporânea brasileira. Isso nos leva a pensar em um novo vigor à cena paraibana – escassa na quantidade de espetáculos e grupos que apresentem propostas interessantes.
O problemático já não é assim tão fácil de ser achado. Coesão talvez seja a palavra. A escolha por dividir o espetáculo em etapas que representam as estações do ano, visando significações próximas às questões de mudanças e passagens dos indivíduos, perde-se por falta de coesão. O resultado é um todo que não é preciso como a técnica. E isto faz com que muitos dos belos momentos vaguem em direção ao esquecimento, por conexões frágeis entre tais etapas. Se o figurino (quase sempre) em nada ajuda a gerar interpretações sobre a dinâmica desses corpos diante de tais ciclos, a iluminação trabalha muito bem – mas não é de luz que vive um espetáculo de dança.
Perceba que é um problema de conceito, de como se pretende passá-lo. Tempos em Tempos joga a força de seu potencial coreográfico para baixo, quando se lança em experimentações com fotografias e montagens no enorme telão que compõe o cenário – experimentos quase tolos, mal acabados, inclusive em referências musicais dentro do trecho que faz críticas à vaidade dessa geração, o dito verão.
Alcançar links exatos entre os elementos que compõem um espetáculo, não é um tarefa fácil. A questão então é: o quanto pode-se pecar por excesso de elementos (para além da dança) sem que se comprometa a composição da obra? A virtude de podar arestas que confundem a interpretação talvez seja o que tenha faltado a Tempos em Tempos. Isto, sem dúvida, o levaria a fazer da dança apresentada um movimento-do-belo e não algo, infelizmente, perdido em suas próprias confusões.
Ricardo Oliveira
O problema da “crítica de dança” é sempre difícil de resolver, recaindo sempre em impressões subjetivas da posição do avaliador, que detém sempre o poder de uma mídia para expor suas sortes e equívocos.
Não há, geralmente, a troca com o criador nem o entendimento do pressuposto de corpo em que ele se baseia, muito menos, sua proposta.
O “movimento-do-belo”, é certamente algo que nunca fez parte da concepção do “Verão”. Ao contrário, e, por exemplo, no “Verão” trabalho com clichês e com o considerado “cafona” na ditadura da cena da dança contemporânea (que também é criticada, como os rostos “sem expressão” e os gestos cotidianos, movimentos “pedestres”, na definição do termo cunhado na Judson Church, nos anos 1960). Os recursos de vídeo são propositadamente lúdicos e até “ridículos”, além de uma trilha baseada em referências da década de 1980/90, de onde considero o início de uma preocupação obsessiva com um “corpo ideal”, no surgimento da geração brasileira do Jazz Dance e da sueca Ginástica-Jazz, nos anos 1970/80, da explosão das academias de ginástica e musculação do mesmo período. Isso tudo sem falar de um figurino “básico”(e, propositadamente, “fitness”) do que seria mais óbvio: o preto básico, que “emagrece” e é recorrente em dança.
Das criações de “Tempos em Tempos”, certamente o “Verão” é reconhecidamente a coreografia que mais incomoda e agrada – mesmo que incompreendida. E, a nosso olhar (nosso – da Sem Censura Cia. de Dança), é a dança que melhor segue uma linha de conexão entre teoria e prática de pesquisa. Ao contrário de jogar “a força do potencial coreográfico para baixo”, os recursos pontuam (como uma hipérbole, assim desejada), as intenções da proposta coreográfica – holística, considerados todos os elementos da cena e não só o movimento – o que não acontece ao exemplo de “Primavera”, outra criação minha, mas que segue outra linha de pensamento. Por isso, não há coesão. Os pensamentos que geram as danças são quase antíteses. Na “Primavera”, o movimento não representa: é puro signo, onde o público é co-autor. Não somos animais, nem folhas, nem árvores. Mas, é onde reside o melhor: podemos ser, se o público assim enxergar.
Resumindo: não buscamos uma dança para SIGNIFICAR algo, como as passagens dos ciclos e mudanças das pessoas. O movimento é movimento, puro e simplesmente, não REPRESENTA nada. Apenas se APRESENTA.
A relação entre estações e pessoas está apenas nas qualidades de movimento e relações entre os bailarinos propostas por cada cena. Se há um problema de conceito, acreditamos ter solucionado – e essa foi uma verdadeira preocupação. Frágeis conexões existem e são propositadas – e se devem pelo fato de serem dois coreógrafos em um único espetáculo e formas de pensamento diferentes de conceber as cenas.
Arthur Marques – bailarino, coreógrafo e pesquisador de Dança (UFBA).
Aqui sim, sinto que temos a oportunidade de discutir de forma mais interessante críticas e interpretações.
Considero que não me expressei bem quanto à questão da parte “verão” do espetáculo.
Eu considero a crítica super válida, interessantíssimma e até inédita no contexto daqui. Inclusive também acho que essa parte e a da primavera, são as mais interessantes na coreografia em si. Trabalho primoroso mesmo, estão (está) de parabéns.
O que questionei foi um quesito puramente técnico mesmo, não deixei claro isso em meu texto. Talvez muito mais uma questão de produção do que de de direção. Não considero que as colagens das músicas do verão (sim, na parte dos axés anos 90, em especial) e também as imagens no datashow, interessantes ou bem elaboradas. Só isso.
No mais, gostei de algumas coisas que vc disse, apesar de não concordar com todas. Especialmente a parte da significação. Não entendo qual tipo de arte existe sem ela. Se existe essa possibilidade, não consigo entender. E, certamente, arte vazia não me interessa. Como tenho certeza que seu espetáculo não é nada vazio, me interesso por ele. Até em revê-lo se existir a oportunidade.
Com certeza, por se tratar de um sistema simbólico, a dança é passível de significação. Nesse caso, a platéia configura sentidos que são pertinentes a cada experiência de vida.
Entretanto, na dança que busco não quero significar árvores, folhas ou a luz do Sol. As metáforas que o movimento proporciona não são dessa ordem. Esse é um pensamento de dança que não faz parte mais do que procuro, nem acredito que caiba numa visão de dança contemporânea. Entretanto, não proíbo o público de entendê-lo como assim desejar e não tenho problemas ou preconceito com quem ainda faz uma “dança ilustrativa”. É disso que me refiro quanto à significação.
Do contrário, pretendo sugerir. Acima de tudo, questões. Essa sim é, para mim, a função de uma arte contemporânea – suscitar questionamentos, instabilidade, dúvida e novas conexões para transformar e não esperar que o público se mantenha numa postura passiva assim: que compre o ingresso, sente confortavelmente em sua poltrona, coma sua pipoca e saia dizendo: “não entendi nada, mas foi bonito, legal”. Prefiro: “por que será que?…Será que entendi?”.
Não acho que devemos fazer, ao mesmo tempo, uma dança só de fazer-pensar. Contudo, há de se criar esse espaço no nosso contexto (nossa cidade) também.
Manifesto: nada contra, mas por que continuar entendendo dança só como entretenimento? Para isso, “Domingão do Faustão” e Deborah Colker trabalham – e muito bem. Nada pra pensar – só ver e “curtir”. Pipoca de primeira qualidade.
Mas é só um desabafo. E não acho que, de fato, mude muito a visão tradicional que as pessoas têm de dança. Mas, procuro dar uma contribuição, na medida do possível – interessante ou não, bem elaborada ou não – mas sempre de acordo com uma proposta (no caso dessa criação, o alegórico e a hipérbole eram a proposta). Assim, me dou por satisfeito – e hei de concordar contigo e, até, ficar feliz: fui bem sucedido!
Grande abraço.