FIM DOS TEMPOS (The Happening)
de M. Night Shyamalan – 2008
Eis a obra mais hitchcokiana de M. Night Shyamalan. O gancho é uma clara homenagem à premissa de um dos mais brilhantes Hitchcok’s: Os Pássaros. Se nesta obra-prima de 1963 assistimos uma cidade que é atacada sem nenhuma razão por aves anteriormente inofensivas, em 2008, vemos um tipo toxina que não se sabe de onde vem ou para onde vai, matando humanos em quantidades gigantescas na costa leste dos Estados Unidos.
Entretanto, faz-se necessário lembrar que na carreira de Shyamalan há um corte brusco através de A Dama na Água. Tal corte também está presente em Fim dos Tempos, mas numa perspectiva diferente – fazendo de seu novo filme algo muito próximo de À Prova de Morte de Quentin Tarantino. Explico.
Foi em A Dama na Água que Shyamalan chutou o balde e mostrou a quê veio. Quer fazer cinema, em sua forma mais pura, verdadeira e simples. Quer ser um contador de histórias, e é através da fábula da mulher que surge das águas, que ele enfatiza que o cinema perdeu seu encanto por estórias, por narrativas que nos deêm prazer pelo que são e pelo modo como são contadas – e não pelo maquinário e grandes efeitos especiais.
Já em Fim dos Tempos a idéia é uma homenagem ao cinema chamado de “B”*. Para muitos o conceito de Filme B é diretamente ligado apenas a uma produção esteticamente ruim, de suspense, com monstros gigantes bastante gosmentos, envolto de péssimas atuações. O que não é lembrado, entretanto, é que esse tipo de cinema também era uma espécie de vitória contra o mainstream, representando uma alternativa de diversão pura, simples e mágica como o cinema é (ou deveria ser). É justamente aqui onde Shyamalan se conecta a Tarantino. Os dois são grandes diretores que têm uma técnica e apuro da linguagem cinematográfica fora do comum. Tanto um quanto o outro sempre fizeram dos seus filmes o que melhor pode se fazer no cinema contemporâneo: reler os clássicos com os quais se identificam, sugar o que há de melhor e produzir sua própria linguagem. Em Tarantino há uma reivenção de coisas como Brian de Palma e Sergio Leone ao mesmo tempo; em Shyamalan, há Hitchcok – tanto na camada estética quanto na conceitual. Mas, através dos seus filmes mais recentes, podemos perceber que parecia faltar a eles apenas uma coisa: lançar-se por inteiro na possibilidade de fazer um filme como se estivessem na época dos filmes B, das grindhouses, do cinema como arma de entretenimento e reflexão subliminar. Ou seja, soltar duas crianças nos seus parques de diversão favoritos e dizer: “passaporte livre”.
Shyamalan, então, parece cada vez mais querer se livrar dos estigmas que fizeram dele, ao mesmo tempo, um grande cineasta e um problema para os marketeiros. O uso das “grandes viradas” na narrativa tornou-se sua marca mais famosa, justamente porque os estúdios se aproveitam disso para fazer de seus filmes uma fonte de muitos milhões de dólares. Fato é que por culpa dessa publicidade extremamente falha, os fãs deixaram de notar que o diretor vai além. Seus filmes, na verdade, são grandes ensaios sobre os nossos medos, nossas culpas e, porque não, sobre o fim de todas as coisas – numa macro ou micro-perspectiva em termos geográficos. É com esse olhar que Fim dos Tempos deveria ser assistido, pois nos faz perceber que ele não está nem um pouco fora do seu projeto autoral, mas numa fase de experimentação da linguagem do cinema enquanto arte que questiona e entretem.
Os medos, as tensões, as “grandes questões” contemporâneas estão todas lá, colocadas com toque de mestre. O clima de terrorismo em Nova York e seus arredores permeia a narrativa por um longo tempo; vídeos são enviados por celular exibindo mortes “reais”, revelando como gostamos de ver um bom sangue “real” até em micro-telas; e na guerra contra o terror, militares também estão perdidos.
O trailer do filme denuncia, depois da expectação, que haveria um problema de comunicação. Mais uma vez a distribuidora faz a publicidade sem mostrar o que realmente deveríamos esperar de mais um filme de M. Night Shyamalan. Porém, mesmo com este problema de comunicação (que, obviamente, afeta a recepção dentro da sala), Fim dos Tempos, mostra a quê veio e consegue cumprir seu objetivo: diverte, dá um baita medo e faz pensar. Shyamalan por inteiro e se renovando. Cinema puro e simples.
Ricardo Oliveira
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* O próprio Shyamalan, em entrevistas recentes, afirmou que seu novo projeto tratava-se de um grande “filme B divertido”.
Só vou poder ver o filme na segunda, por isso, li esse post com um medo absurdo de saber de algo que estragasse a minha ida ao cinema.Mas, ainda assim, ao ver o título não consegui não ler. Concordo perfeitamente de que os seus filmes são ensaios sobre nossos medos e acho que a “A dama na água” foi muito mal interpretada pela maioria. Eu gosto muito do humor de Sinais e fiquei feliz de saber que verei isso nesse filme tb!
E se antes imaginei que iria gostar, passo a ter certeza pela descrição que fizeste.
abçs
Taty MAcoli
Teu texto sobre o filme está perfeito. “Fim dos Tempos” dos tempos é exatamente tudo o que descreveste. E outra coisa: ele abdicou quase que completamente, nesse seu novo filme, da mise en scène meticulosa de um “Corpo Fechado”, A Vila” e “A Dama na Água” em função do ritmo.
Cara, eu to doido pra ver!!!
Abs,
André Monteiro
http://upasinodalrio.blogspot.com
eu gostei do filme, mais ahco que gostei por ser fã de Shy, por entender o cinema dele, como sempre a maioria não foi pensando assim. Mas confesso que em certos mmomentos era como se visse um filme de Shyamalan mas que não era ele a cargo, pode ter sido até de proposito, como disseram ele modificou um pouco seu jeito de narrar e filmar nesse filme (sem deixar os meandros como uso de cores, de crianças com papel importante), como por exemplo a relação humana que podia ter sido mais bem explorada.
O cinema de Shy é tão puro e simples como complexo…é so prestarmos atenção aos sinais…
Bom texto!
Adorei o filme. E a resenha!