A exibição gratuita de O Rebeliado estava com horário marcado para às 20h em sua noite de lançamento, mas pouco depois das 19h30 o Cine Banguê estava quase lotado. Havia ali um público dividido entre universitários estudantes de comunicação, sociologia e psicologia, e vários membros da igreja do pastor Clóvis.
O assunto retratado pelo documentário, em toda sua polêmica, já estava exposto ainda nos agradecimentos. Clóvis e Fernanda Benvenucci, presidente da Associação dos Travestis da Paraíba, demonstraram ali qual seu posicionamento diante do assunto, em breves discursos menos ou mais enfáticos de cada lado.
O Rebeliado trata, no campo mais visível e óbvio, das questões entre a religiosidade e a sexualidade, do neopentecostalismo brasileiro e do machismo. Há, entretanto, uma questão importante em termos de escolhas de direção e montagem, que permitem uma interpretação posterior, ligado ao que está implícito no discurso do filme: os contrapontos entre razão e fé.
Durante certo trecho do filme, o diretor Bertrand Lira pergunta à mãe de Clóvis se ela aceitaria o filho, caso ele deixasse de ser crente e se tornasse travesti novamente, a qual responde que sim. A pergunta torna-se meticulosa em tendência, já que poucos segundos antes, ela acabara de afirmar que lhe interessava a liberdade das pessoas serem o que quiserem (trecho aplaudido pela metade universitária).
Não se engane: questionar a parcialidade do documentário não interessa, já que imparcialidade na comunicação é um mito que precisa ser extinto. É necessário avaliar, entretanto, se o modo como Clóvis é apresentado não o torna para o espectador apenas uma vítima sofrida e ignorante que poderia escolher o cristianismo, como qualquer outra religião ou caminho para nutrir suas esperanças.
Este ponto precisa ser levantado a partir da perspectiva do pastor sobre o filme: para ele, O Rebeliado é a oportunidade de contar para muitas pessoas o que aconteceu em sua vida.
Na força que há nas cenas finais do filme, vemos, portanto, que não trata-se apenas de contrapontos entre homossexuais e religiosos, mas também entre “esclarecidos” e as escolhas de seus inocentes “objetos de estudo”: o grupo Ôdecasa canta “eu nasci para pensar…” na trilha do filme; “eu acredito no impossível” afirma Clóvis perto do final. Dicotomia clássica que pode, ou não, ser deixada de lado – resta ao espectador escolher.
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publicada originalmente hoje no Jornal da Paraíba.
Ricardo Oliveira