Mesmo que demonstre vez ou outra as suas falhas na captação do stop-motion, Coraline e O Mundo Secreto convence muito bem como uma animação adulta. É necessário dizer que eu não li nada de Neil Gaiman até hoje, incluindo o livro homônimo. Desta forma, fico livre das comparações naturais com a obra original (e que se fazem desnecessárias mesmo para quem tenha lido). Cinema é cinema, literatura é literatura.
Este é meu primeiro filme do diretor Henry Selick, que havia dirigido o roteiro de Tim Burton em O Estranho Mundo de Jack. Não é preciso, entretanto, ter assistido a seus filmes anteriores, para perceber que Selick é um herdeiro direto da cinematografia de Burton. O diretor consegue colocar nas situações narradas aquela tensão no ar, gerando a sensação de que algo de inusitado pode acontecer a qualquer instante – seja para nos assustar, emocionar pela beleza ou nos fazer rir. A caracterização dos personagens e as curtas cenas de apresentação de cada um ficaram ótimas e dão um ritmo excelente (o que dizer do belo e engraçado trecho do sr. Bobinski?). Tais apresentações são extremamente úteis, considerando que a narrativa as usará para contrapor mundos e ideias diferentes, quando da passagem de Coraline para o mundo secreto. Lá encontra com uma mãe dedicada, um pai atencioso, um amigo comportado e vizinhas bonitonas – todas as antíteses daquilo com o que ela convive no mundo real. As descobertas da personagem neste novo mundo a encantam à princípio, mas levam-na a descobrir o suficiente sobre si mesma e seus parentes para querer retornar a realidade.
Não trata-se, em definitivo, de um filme para crianças – evite exibí-lo para pessoas com menos de 13 anos. Entretanto, é um filme sobre crianças – e, inevitavelmente, sobre nós, já que um dia fomos como Coraline: insatisfeitos, inquietos, curiosos. Mesmo com pequenas falhas (equivocado e bobinho o trato dado àquelas crianças presas dentro do espelho) o filme de Selick convence porque traz uma lição metalinguística: o mundo secreto de Coraline, assim como o cinema, pode ser um caminho interessante para fugir da realidade e descobrir detalhes importantes sobre a ela, mas o mundo real, de todo modo, ainda é o lugar para se estar.
Ricardo Oliveira