Numa manhã de calor em João Pessoa entrei no ônibus que vinha da praia e nele eu iria em direção ao centro para o trabalho. Escolhi alguma cadeira que me desse esperança de sombra e menos calor, mas o sol não estava pra brincadeiras e sombra já era alguma coisa que fazia parte do contexto de quentura.
Retirei da bolsa Homem no Escuro, último do livro de Paul Auster – autor que aprecio devido à leitura que fiz da Trilogia de Nova Iorque. Estou nos últimos conjuntos de páginas, quando o personagem principal, August Brill, está deitado na cama com sua neta Katya contando sobre seu passado (sobre o qual ela é precisamente curiosa). O livro não está funcionando tão bem quanto o outro que li de Auster, mas o encanto por este personagem misterioso, cheio de narrativas ficcionais sobre sua vida, me prendeu desde o início. A leitura é interrompida por uma dessas conversas de ônibus que sempre me distraem.
– Alô?! Doutor João?
O cara estava exatamente no banco anterior ao meu e falava um tanto alto para quem atende o telefone dentro de um ônibus.
– Doutor, não vai dar não, viu? É que eu tô em Campina Grande.
A leitura foi obviamente cortada para ao menos pensar sobre a situação. Não quero, de modo algum, parecer hipócrita ou algo do gênero com você leitor. Todavia, temos um fato no mínimo curioso se pensarmos em proporções sonoras. O homem falou em altura suficiente para o ônibus inteiro ouvir e, quem estava lá, não deveria ter dúvidas sobre em que ônibus estava e por qual cidade ele percorria. Não iria surgir alguém lá de trás, gritando coisas como “Pô, fui teletransportado para Campina Grande! É hoje que sou demitido do trabalho!”. Ninguém surtou.
Acontece que foi apenas um momento curioso, destes que você vez ou outra se depara dentro de um transporte coletivo. Voltei para Auster e continuei descobrindo mais detalhes sobre o passado de Brill que revelam, de modo natural, suas viagens nas histórias que conta para si mesmo em trechos anteriores.
– Alô? – o rapaz do banco de trás atende outra ligação. Só se for de helicóptero, porque eu tô em Campina Grande! É, Campina. Tá bom, tchau.
Foi inevitável que neste momento eu fosse influenciado pelas tirinhas de Adão Iturrusgarai na Folha e minha imaginação fosse a mil. Prometo que eu conseguia até ver o ônibus sendo parado por um helicóptero que pousa no teto e dentro dele está justamente o tal doutor Júnior, a quem o fulano do banco de trás deve satisfações. O cara é algum tipo de Jack Bauer que vem conferir a situação e, sem medo algum, desce pela janela pendurado por uma corda e dali mesmo puxa o mentiroso, defenestrando-o para o meio-fio.
– Campina Grande, é?! Beija o asfalto de João Pessoa, canalha – gritava o justiceiro em meio ao barulho das hélices, em tom claramente pastelão.
Quando eu voltei à realidade (que parecia naquele momento ser a leitura de Auster), já estava perto da parada onde precisava descer. Se o homem ao menos estivesse indo a Campina Grande, ele deveria seguir por mais alguns pontos, em direção ao terminal de integração que fica vizinho a rodoviária da capital. Desço do ônibus na Lagoa e como que ainda inocente, me surpreendo com o fato de que ele desceu ali também, logo em seguida. Ele não tinha perna curta, nariz grande, o helicóptero justiceiro não havia chegado e, até onde consigo lembrar, a lagoa do Parque Solon de Lucena ainda fica em João Pessoa.
Ricardo Oliveira
São as mentiras que a telefonia móvel nos permite contar. Excelente texto Ricardo!
Não vou poder escrever um post grande pois estou em João Pessoa agora. :D
Campina é a desculpa de quem vai trabalhar, hehehe.
muitooo boa !! =D
estou em joão pessoa.
Estou no Rio de Janeiro. Verdade