O americano Paul Auster é um herdeiro óbvio da ficção policial clássica americana. Entretanto, também há nele o Jorge Luis Borges do conto O Outro, da década de 70 e presente na compilação O Livro de Areia, tal qual algo felliniano originado em Oito e Meio. O ponto que liga todas estas obras é a vertigem, algo explorado com desteza por Auster em A Trilogia de Nova York, mas sem o mesmo vigor em sua obra mais recente Homem no Escuro (Companhia das Letras, 165).
Estamos nos Estados Unidos de 2004, na pele de August Brill, um crítico de literatura aposentado, arrependido e no constante execício da lembrança e da imaginação. Esta última possibilidade elevada a uma potência considerável: ele conta uma longa história para si mesmo e, nas mãos de Auster, estamos falando sobre sermos apresentados ao modus operandi do rascunho de um enredo – quando ele ainda está incompleto e cheia de óbvias relações com a vida do próprio autor. Isso quer dizer que chegaremos a labirintos metalinguísticos que, desta vez, já não funcionam tão bem quanto na narrativa policial da Trilogia de Auster. O autor desta vez segue um caminho que passeia entre o modo como a perda afeta a todos numa casa, pinceladas sobre a política americana e uma cinefilia apaixonada que rende os melhores trechos do livro e é pouco explorada. Um dos personagens cita a curiosa “teoria dos objetos inanimados”, analisando com beleza trechos de filmes como Ladrões de Bicicleta, do italiano Vittorio de Sica.
Auster, entretanto, se ganha em história que nos prende, perde-se um tanto numa escrita pouco cuidadosa e com colocações desnecessárias, bobas para um autor de sua estatura.
Ricardo Oliveira
Cada vez que venho aqui descobro coisas que ainda não tinha visto/lido. Gosto por demais do Paul Auster. Ótimas referências ao autor citadas no teu texto, gostei bastante Ricardo. Preciso ler, para depois dizer se concordo ou não com o parágrafo final. :-)