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Excelente texto de Cândida Nobre em sua coluna semanal no site de Rafael Samways (uma pena que o site não tenha links diretos ou permalinks. Isso fará com que este post tenha problemas quando a coluna for atualizada). A pesquisadora, que está trabalhando em sua dissertação os caminhos dos direitos autorais, downloads e afins, mostra como o processo de criação de Ariano Suassuna revela algo dos nossos dias: a cultura do remix, ou mashups. Como daqui a uma semana ele não estará mais disponível, prefiro trazer na íntegra, para o post não ficar deslocado no futuro:
O lado Science de Suassuna (por Cândida Nobre)
Em 1991, Fred Zero Quatro tratava no manifesto “Caranguejos com cérebro” da necessidade de uma metrópole fincada nas raízes do mangue mostrar a sua diversidade cultural, tal qual a variedade biológica dos microorganismos daquele habitat. Era uma tentativa de explicar o Manguebeat (ou Manguebit), que teve em Chico Science o seu maior expoente. Quem não entendeu muito bem essa mistura de rock com maracatu foi outro movimento, o Armorial, também nascido em Recife e que desde a década de 70 propunha uma cultura tradicionalista e genuinamente nacional.
Ariano Suassuna, ícone das idéias armoriais, chegou a afirmar que gostava do que o poeta do mangue tinha de “Chico”, mas detestava o que ele tinha de “Science”. As oposições entre os movimentos foram muito bem tratadas por duas obras (“Hibridismos musicais de Chico Science & Nação Zumbi”, de Herom Vargas e “ABC de Ariano Suassuna”, de Bráulio Tavares) e não nos cabe aqui entrar nessa celeuma.
O que gostaria de destacar é que há mais elementos em comum entre o Manguebit e o Armorial do que supõe a nossa vã filosofia (aos que estão esperando a cibercultura nesse bolo todo, calma que eu chego lá!). A mistura e o intercâmbio entre culturas é o fator principal para ambos os movimentos. Enquanto um idealizava o rompimento das fronteiras eruditas e populares para a criação de uma arte universal, o outro buscava quebrar as fronteiras geográficas da cultura, unindo os movimentos populares de diferentes países.
Para promover o encontro destes universos antagônicos, ambos recorreram ao que hoje chamamos de cultura do remix. Essa, muito propagada na internet (olhaí ela chegando!), onde “tomamos emprestado” algo que já existe para experimentar e criar novas obras. Por esta razão, Ariano recorre a personagens do imaginário popular como João Grilo e Chicó e recria um teatro completamente novo, um Nordeste distinto do que vinha sendo descrito desde a segunda fase Modernista inaugurada na década de 30 com A Bagaceira, de José Américo de Almeida.
Outras obras menos conhecidas de Ariano também não são nenhuma novidade em termos de criação e o autor deixa isso bem claro: Uma Mulher Vestida de Sol é uma versão das histórias que ele ouvia nas feiras de Taperoá; A Pena e a Lei traz alguns personagens fixos das apresentações de mamulengo que povoam o sertão, como o negro Benedito e o cabo Setenta. No próprio Auto da Compadecida, além dos personagens principais fazerem parte do imaginário popular, episódios como o gato que “descome” dinheiro nada mais é do que uma adaptação de um livreto de cordel que narra a saga de um jumento com a mesma “habilidade”.
A pergunta que faço é simples: se fosse preciso pedir autorização para utilizar cada um desses personagens, será que a obra de Ariano existiria com tamanha riqueza? É claro que algum defensor das formas tradicionais de regulamentação irá afirmar que se trata de obra que está em domínio público, o que permite tal utilização. O que questiono é que com a velocidade com que os processos de comunicação, informação e conhecimento circulam, será que temos tempo de esperar 70 anos para pensar a respeito de uma obra ou recriar algo completamente novo a partir dela?
Ariano conseguiu de forma brilhante trabalhar com o que hoje parece ser uma das grandes fontes de informação da rede – a cultura do remix. É claro que talvez o próprio Suassuna não admita o uso desse termo para definir sua obra, especialmente por se tratar de um estrangeirismo. Mas na essência, é isto mesmo que ele faz: remixar conteúdos e lançar aos leitores uma nova experiência diante de algo que já existia. Como se vê, Suassuna está mais envolvido com o comportamento dos bits do mangue do que poderia imaginar e revela, em seu processo criativo, também o seu lado “Science”.
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A ironia, portanto, é a gente assistir o famoso (e hilário) vídeo no qual o autor relata certo encontro com um músico punk, remixado em estilo funk:
Ricardo Oliveira
Ricardo, muitíssimo obrigada pelo post! Adorei essa contribuição do vídeo de Ariano “remixado” =D. A despeito dele ser uma figura ligada às tradições, tem senso de humor quando trata dos choques culturais (assim como tem senso de humor quem faz um vídeo como esse, né? ehehehhe). Quanto à falta de links para dar acessso às colunas anteriores no site, estamos trabalhando para que todo o conteúdo de todos os colunistas fiquem disponíveis na web para todo o sempre (amém). =*
Admiro muito o Ariano e até concordo com muitas de suas opinioes, apesar de que tenha uma posição um tanto quanto extrema em relação à influências culturais alienígenas. Mas eu at’e entendo, ja que a industria cultural (principalmente a americana)produz muita coisa completamente descartavel, pra nao dizer coisa pior. Pessoalmente sou a favor do antropofagismo defendido pelos modernistas da Semana de 22, que seria mais ou menos o que a autora cita como cultura do remix e isso o brasileiro parece fazer de melhor, que é pegar as influencias externas e obter algo novo. Parabens a autora do texto e ao site.
@Moziel,
valeu pelo comentário. Inclusive, mt obrigado por linkar o Diversitá no seu blog. Parabéns por ele, o visual ficou mt bom.
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