[Cinema] Confira uma análise sobre “O Sequestro do Metrô” de Tony Scott

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Antes de tudo, cuidado. O texto abaixo não é uma resenha crítica, que visa analisar procedimentos cinematográficos para determinar para o leitor se O Sequestro do Metrô deve ou não ser assistido. Que fique claro: deve, é uma grande obra. Porém, o filme me trouxe uma série de pensamentos que casam-se com recentes estudos no mestrado e me instigou a escrever algo mais abrangente. Logo, resolvi fazer este ensaio, assim como aquele já publicado aqui sobre Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock. Possivelmente, há trechos no texto que podem ser considerados spoilers. Portanto, se você ainda não assistiu o filme, corra e assista e depois passe aqui para ler. Espero que goste da leitura.

SOBRE IMAGENS VOLÁTEIS NA SOCIEDADE EM REDE

O Sequestro do Metrô, de Tony Scott, é um filme sobre as imagens voláteis de uma sociedade em rede. Um filme-ensaio que tem o mesmo tratamento frenético e bem trabalhado de Deja Vu, porém, com mais coesão entre o que se mostra e o que se diz. O discurso de Scott desta vez é mais completo e no seu filme podemos traçar diversos caminhos. O mais comum é aquele que o taxa de um clichê barato: remake de uma história comum nas mãos de um diretor de estética videoclipe-publicitária. Entretanto, é preciso dizer que Scott apresenta algo que caminha por outras trilhas.

Em primeiro lugar, as imagens voláteis ou pós-fotográficas. O termo foi desenvolvido nos estudos atuais da semiótica, à medida que novos suportes digitais, práticos e portáteis, surgiram como forma de captura de imagens. Além deles, existem os não-portáteis, mas que trazem características que não são próprias da imagens cinematográficas. Câmeras de segurança, por exemplo.Voláteis não apenas porque podem se perder rapidamente, mas essencialmente porque podem ser captadas rapidamente. Mais que o instantâneo, é o digital, medido pela velocidade da memória RAM dos sistemas portáteis. Já não há mais foto-grafia, mas captura digital.

Esta imagem volátil está em processo de upgrade constante. Logo, ainda há os registros borrados, de cores saturadas, com menos quadros por segundo, gerando os “fantasmas”, como se diz. Convencionou-se dizer que Scott filma corpos vazios de significado pelo modo como sua fotografia os capta, ou mesmo espectros. Contudo, como é a imagem da câmera de um celular? Se há alguém filmando o novo cotidiano midiático digital, este é Scott.

Tais imagens são a base vital dos seus filmes recentes e se evidenciam ao máximo no conjunto de O Sequestro do Metrô. Os primeiros planos da obra, que sem firulas indicam o que obviamente desencadeará a história, são contados a partir de imagens assim – seja pela simulação ou pela referência. Por simulação quando Scott utiliza a ideia das câmeras de segurança do metrô captando a chegada dos bandidos. Por referência quando a fotografia da “câmera de cinema” traz a imagem borrada das câmeras de vigilância. Vagões dos metrôs passam em alta velocidade por trás, pela frente ou simultaneamente entre aqueles que esperam a chegada do transporte certo. Símbolo clássico da sociedade das metrópoles, o metrô é um símbolo aqui atualizado se compararmos ao filme original, da década de 70. Sua velocidade, nas câmeras de Scott, não deixam de fazer referência à fibra óptica, à informação correndo no ciberespaço e, consequentemente, à comunicação.

Para dissertar sobre a comunicação desta sociedade, Scott estabelece um paralelo de situações que merece atenção. Um dos sequestrados é um rapaz que conversa com a namorada em videoconferência em seu laptop. Sua namorada se exibe como se na frente dele estivesse. A imagem da webcam é borrada, suja para os padrões de alta definição em voga. Ali, existe a comunicação mediada por computador, tal qual a sexualidade e o “amor” como se verá mais à frente: em meio a uma situação de tensão, a câmera do laptop permanecerá ligada e a garota assistirá tudo. Numa oportunidade de conversar com seu namorado, ela tenta dissuadí-lo, infantilmente, a dizer um “eu te amo”. Ele tenta explicar que não é o momento, mas não consegue – ela ficará irritada.

Se há alguém filmando o novo cotidiano midiático digital, este é ScottO paralelo se dá com a comunicação entre os personagens de Denzel Washington (Garber) e John Travolta (Ryder). Os dois nunca se viram, nunca se falaram. Ryder, o sequestrador, inicia uma conversa às cegas com Garber, que é um operador do metrô, sobre as suas exigências na situação. Durante todo processo, eles não se veem. Para Garber, Ryder é apenas um pixel na malha do metrô exposta à sua frente. Para Ryder, Garber é apenas alguém a ser usado para alcançar seus objetivos. Mas é neste não-se-ver que constrói-se forçadamente certa cumplicidade, ou melhor, certa confiança. É no operador que o bandido confia durante as negociações, provando com sangue derramado. Mesmo sem vê-lo ou tocá-lo. É sobre o discurso falado de Ryder que Garber construirá uma análise rápida sobre quem possivelmente ele é. Um possível católico corretor de Wall Street. O sequestrador é uma figura virtual para Garber. Ele é, até então, apenas uma voz em meio aos bits do seu painel de controle, até que mate alguém para provar que fala sério. Não haverá aqui, espaço para a infatilidade dos adolescentes via webcam. Suporte este que poderia salvar a todos ali. A tese de Scott é óbvia, mas essencial: pouco importa se a comunicação será entre walkie-talkies, rádio, celulares ou webcams. O importante é quem está a utilizá-la.

Deste modo, o diretor consegue proeza importante na cinematografia atual: falar do ciberespaço sem colocar atores em salas de CGI ou envoltos pela desgastada cultura ciberpunk. Scott trata a tecnologia como invisível, mas também como algo essencial que nos cerca. O que são as imagens de Denzel Washington cercado por imagens voláteis-virtuais da Branca de Neve de Deja Vu ou do centro de operações de O Sequestro do Metrô? Representações dos ambientes online onde o corpo físico está cada vez mais presente (e este processo permanece em evolução). Há imagem mais comum para nós do que as passagens geográficas estilo Google Maps? Não, porque já é comum brincarmos de procurar nossas casas por lá. Nós estamos naqueles bytes – eis a ideia, inegável, de Tony Scott. A nossa comunicação (suas suavidades, tensões, enfim, o mais complexo cotidiano) passa inevitavelmente por eles. Resta saber o que faremos deles.

Garber envolto pelos bits

2 Replies to “[Cinema] Confira uma análise sobre “O Sequestro do Metrô” de Tony Scott”

  1. RICARDO PAULO. FOI PRECISO VER O COMENTARIO NO JORNAL PRA PODER SABER DO BLOG . PARABENS! FICOU ÓTIMO

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