Mas Robert Downey Jr?!
Há muitos casos de “miscasting” – a escolha de um ator errado para determinado papel – na história do cinema. Dois dos mais notórios foram Gérard Depardieu como um Cristovão Colombo com forte sotaque francês, que só faltou dizer “u-lá-lá” ao avistar a América, e Marlon Brando como Napoleão Bonaparte. Ainda não vi a nova versão do Sherlock Holmes no cinema, mas seria difícil imaginar um ator com menos cara de Sherlock Holmes do que Robert Downey Junior. Não se trata de exigir respeito ao padrão estabelecido nos anos 30 por Basil Rathbone, o Sherlock Holmes “clássico” cuja figura correspondia à descrição do personagem feita pelo seu autor. Houve outros Sherlocks que desviaram do padrão. Também não se trata de rejeitar a ideia de Sherlock como um homem de ação, em vez de um sedentário cerebral. Numa das suas muitas versões através dos anos (até o Billy Wilder fez a sua), Sherlock, interpretado por Nicol Williamson, era levado pelo dr. Watson a Viena, para curar sua dependência em cocaína com Sigmund Freud, e os três acabavam se envolvendo numa acrobática aventura para salvar uma paciente de Freud das mãos de bandidos. No filme, Freud é Alan Arkin e quem faz o arqui-inimigo de Sherlock, professor Moriarty, é Laurence Olivier. Nada contra Sherlocks atléticos e com caras diferentes, portanto. Mas Robert Downey Junior?!
Sherlock Holmes deve sua sobrevida no cinema, mesmo mudando de tipos e de estilos, porque encarna a ideia, que nos fascina, da inteligência superior, do supercérebro, humanizados pela excentricidade. Curioso é que seu criador, Conan Doyle, era o oposto da sua criatura. Era um excêntrico em outro sentido. O inventor do símbolo universal da racionalidade e do pensamento lógico acreditava em duendes. Houve uma época em que milhares de pessoas, na Inglaterra, começaram a ver pequenas fadas com asas voando nos seus jardins e Conan Doyle liderou um movimento para que o fenômeno fosse cientificamente investigado. Não se sabe o que Sherlock Holmes diria das estranhas crenças de Conan Doyle. O fato é que em nenhum dos casos investigados por Sherlock Holmes nos livros há qualquer referência ao sobrenatural. Muitos pacatos autores se soltam em seus livros e fazem seus personagens viverem todas as loucuras que eles nunca viveram. Conan Doyle fez o contrário. Nem nos seus mais distantes devaneios, levado pela cocaína, Sherlock Holmes viu qualquer coisa parecida com uma fadinha.
Mas Robert Downey Junior?!
Luis Fernando Veríssimo
Dica de Everson Barbosa. Publicado originalmente no jornal Zero Hora, edição do dia 14/01/2010.
* Veríssimos é uma série do Diversitá que republica textos de Luis Fernando Veríssimo sobre artes.