O “desestabilizar”
Um dos temas que tenho mais apreço em narrativas cinematográficas é o “desestabilizar”. O austríaco Michael Haneke atropela o mundo dos seus personagens com a chegada do mal desde “Violência Gratuita” até “Caché”; os brilhantes irmãos Coen mostram como os próprios valores dos seus estereótipos americanos se despencam no correr da vida. Jason Reitman, numa atitude bastante segura, desestabiliza o inverso dos irmãos Coen em “Juno” e agora no excelente “Amor Sem Escalas”. Interessa a Reitman mostrar que o mundo cool e sem afetos de Ryan Bingham (George Clooney vivendo um especialista em demitir pessoas durante a crise americana de 2008) também tem estruturas instáveis.
Bingham, em suas palestras motivacionais, ensina as pessoas a serem desapegadas de tudo aquilo que pode ser um atraso: família, amores, grandes e pequenos bens pessoais. Ele não não tem dúvidas de que seu mundo é melhor sem o que usualmente se chama amor. O que faz nos intervalos da sua jornada de demissões é preparar o caminho para que os demitidos sofram menos. Pode ser qualquer um, a qualquer momento. Ele se sente confortável nas viagens, quando consegue por alguns horas estar nas alturas, acima de tudo isso. É o seu lar, como o próprio afirma.
A elegância milimetricamente organizada do mundo de Bingham não é desestruturada com a chegada da bela Alex. Suas personalidades são idênticas e ali há apenas aventura, descarga sexual (“pense em mim como uma vagina”, ela diz). A nenhum dos dois interessa ser, basta estar . O choque no mundo do palestrante motivacional vem com a presença da inexperiente e passional Natalie. Ela é o oposto de Ray, mas ele, ao mesmo tempo, também é seu ideal profissional. O que há em meio à sua fragilidade é a segurança de que o mundo de Bingham não é tão perfeito assim. O homem de milhares de conexões de vôos é o mesmo que ouve da aprendiz: “você criou um estilo de vida onde é basicamente impossível criar conexões com pessoas”.
A posição mais fácil para realizador da obra seria apenas dizer que o mundo de seu protagonista não é tão bom assim – tornando-se um juiz tolo. Entretanto, há críticas ao que Natalie representa em todo tempo. Para o diretor, ela faz parte da geração disposta a demitir pessoas e terminar relacionamentos de forma mediada e fria, via computador ou SMS. As atitudes simplistas da geração da moça são permeadas por uma esperança que soa vazia – pois são inexperientes; as escolhas desapegadas de Ryan e Alex são tão vazias quanto – pois são egoístas. Mas o diretor faz esses mundos se encontrarem, e como solução Reitman se posiciona claramente quando faz sua declaração de fé no sustento que vem do outro, através de pequenos depoimentos com o objetivo de soar documental. A carga realística, já bastante arriscada (mas evidentemente sincera), se amplifica na última canção que toca no filme (durante os créditos). Ao seu início, o compositor diz algo ao diretor, como: “Olá, Jason. Eu escrevi essa música porque perdi meu trabalho. Espero que possa servir para seu filme”. Impossível não sair gravemente emocionado da sala.
Ofilme me pegou pois este lance de largar uma vida descompromissada pra se comprometer com a pessoa errada te desloca e desconserta!
O carater documental que tu citou me legitima a evidencia enganosa da imagem. Você crê piamente que na festa de casamento aquilo de romance tá funcionando até o choque da visita! Como vc disse o diretor sabe dar um ar cool sem parecer piegas!
Talvez o maior exemplo de desestabilidade que teu texto aponto, pelo menos pra mim foi ele não conseguir dar a palestra e sair corrento antes do encontro citado!
É um belo filme, seguido de um belo texto que tu escreveu. Pelo menos vou deitar pensando nos dois pra que o filme seja bem absorvido!
um abraço
É verdade, Vebis! O ponto-chave de virada na vida dele é quando ele larga a palestra. Eu evitei citar no texto pra nao soltar spoilers demais pra o pessoal =)
Só agora vi o filme e vim aqui para reler teu texto e confirmar a minha impressão: ele é melhor que o filme! A última canção que toca durante os créditos é Be Yourself, perfeita, uma bela canção de um disco seminal do Graham Nash. bjs