[Teatro]: ‘Milagre Brasileiro’, do Coletivo Alfenim (2010)

A "Família Brasileira" em "Milagre Brasileiro" do coletivo de teatro Alfenim

EXPERIMENTOS SOBRE DESAPARECIDOS

Escolher assistir um espetáculo do Coletivo de Teatro Alfenim é estar certo de que passar pelo político não será nada esporádico ou excepcional. Narrar a História, discutir seus fatos, rever ideologias, é regra na dramaturgia de Márcio Marciano e isto nos está exposto claramente desde Quebra-Quilos (2008).

Em Milagre Brasileiro, já temos o anúncio prévio de um espetáculo experimental. Por todo peso que isso possa representar à recepção, não vai demorar para que tudo se confirme. Entramos no Teatro Ariano Suassuna passando por atores que seguram placas anunciando-os como terroristas. Sentaremos em pequenas arquibancadas em cima do palco (logo, fazemos parte), onde já está a atriz Zezita Matos, com rosto pintado, longo vestido preto, com luzes fugidias ao seu redor. Um clima tenso de suspense, de recepção a uma plateia que irá, de alguma forma, até a ditadura.

Que fazem aqui? Vão embora! diz a personagem de Zezita. Não nego, a despeito de como isto possa soar: posteriormente, não me faltou vontade de ir.

“Será nos momentos onde este lirismo some para que surja certo deboche, ou uma realidade mais direta se assuma, que a peça chegará a lugares mais impactantes”Não temos cronologia, não há um texto direto. As escolhas atestam sua intenção experimental e não nos cabe questioná-las por elas mesmas. Afinal, elas estão à disposição de quem desejar utilizá-las. E se o espetáculo demora a dizer a que veio, é porque o seu texto não-direto peca ao esquecer que este teatro não é cinema-em-casa, quando poderemos voltar e repetir o que queremos aprofundar; ou literatura para que retornemos à página anterior. O texto poético, sobre os desaparecidos políticos do regime militar brasileiro, não narra e em suas pretensões pouco nos diz quando há um eu-lírico evidente, constante, exposto por interpretações que oscilam.

Será nos momentos onde este lirismo some para que surja certo deboche, ou uma realidade mais direta se assuma, que a peça chegará a lugares mais impactantes. A certa altura Daniel Porpino segura um lustre central (direção de arte correta em soluções práticas para o espetáculo) e começa a narrar certo dia, como alguém que presta um depoimento. À sua frente temos Adriano Cabral e entre os dois o lustre aceso começará a balançar em pêndulo. Com a luz passando entre um e o outro ouvimos um discurso se moldar aos desejos de quem está interrogando (um personagem da opressão, desta vez, omitido). Um belo trecho, junto à escolha sensata das máscaras de caveira (já expostas desde o cartaz, brilhantemente desenhado por Shiko) para representar uma típica família brasileira dos anos 60. A metáfora da morte anunciada é primorosa, rendendo certos risos que já saem constrangidos.

Em seu anseio por narrar a falência de um Brasil de hipocrisias, de barbáries, Milagre Brasileiro questiona: quando a história lhe é subtraída, o que resta ao teatro? Narrar-se a si mesmo? Para Márcio não é possível uma arte pela arte – ela deve ser arte-transformadora ou, mais claramente, política. A sensação, todavia, é que o espetáculo termina perdido na ousadia de acusar-nos, de que somos réus no tribunal de um diretor que pergunta: por que vocês esquecem dos desaparecidos, do passado, das dores vividas por este país? À despeito da arrogância da interrogação constantemente implícita, Milagre não nos parece que consegue correr bem narrando uma “tragédia grega à brasileira”. O que temos ao fim é um experimento cheio de convicções ideológicas e frágil nas proposições dramatúrgicas e estéticas.

SERVIÇO

“Milagre Brasileiro”
Coletivo de Teatro Alfenim
Dramaturgia e Encenção: Márcio Marciano
Elenco: Adriano Cabral, Ana Marinho, Daniel Araújo, Daniel Porpino, Fernanda Ferreira, Paula Coelho, Verônica Sousa, Zezita Matos.
Arte (acima): Shiko

Temporada: 12 de março a 11 de abril (exceto dia 02 de abril)
Sextas e sábados (20h) Domingos (19h)
Ingressos: R$ 10 e R$ 5
Espetáculo limitado a 40 pessoas por sessão.

4 Replies to “[Teatro]: ‘Milagre Brasileiro’, do Coletivo Alfenim (2010)”

  1. Me corrija se eu estiver errado, mas já vi uma encenação, acho que de um grupo mineiro ( no teatro Paulo Pontes) sobre o mesmo tema: ditadura, paralelo com Antígona, cadeiras no palco. Não cabe a mim julgar, primeiramente porqu ainda não fui prestigiar ao espetáculo, mas com todas as propagandas nos sites de notícias aqui da Paraíba e da maneira que mostraram, tudo refletiu para que eu pensasse ser uma espécie de “cópia”.

  2. Mascaras na cara da familia brasileira, luz voando em cena quase queimando o rosto de dois atores numa cena linda de iluminação, atuação e trilha sonora. Porém, me parece, que esses são os momentos mais impactantes e interessantes, artísticamente, da peça.

    Particularmente, não gosto muito de peça de cenas soltas, com textos tão subjetivos que a platéia fique sem compreender bem o porque dele naquele momento. Pena que a interação com o público fique retida a uma pintura, bem direcionada psicologicamente, perto do fim do espetáculo.

    Enfim, uma peça com potencial, um tema interessante, mas que poderia ser melhor explorado.

  3. UM ESPETÁCULO!

    Mesmo sendo a interação, digamos, direta com o público seja só no final, mas o tempo inteiro você se sente parte dos questionamentos, se coloca no cotidiano daquelas pessoas, daquelas dores, assim como leva o seu para o palco. Ainda mais: ao remontar tão brilhantemente o passado, questiona diretamente, toda a estagnação vivida hoje! Nos relembra de que somos sujeitos históricos! Que reproduzimos uma sociedade de opressão e desigualdades. Por isso me angustia os comentários acima e alguns pontos dessa crítica.
    Ai ai, esse nosso tempo que, mesmo ao ver um espetáculo tão problematizador, nos coloca a pensar como ponto prioritário as questões estéticas, nos colocando [mais uma vez] longe das questões centrais [arte para que? idéias e ações para quem?]

  4. Bianca,

    é possível sim que o tema de uma produção artística seja tão forte que seu lado estético fragilizado possa ser colocado, temporariamente de lado, para a valorização do conceito. Mas para mim, não é o caso. Acredito sim que algumas pessoas (não te incluo, pois nem te conheço), são mais tocadas por aquilo que veem ali, por seu campo de referências de vida. Talvez este tenha sido meu problema com a recepção. O que penso é que, quando a coisa é bem executada, pode-se falar sobre qualquer assunto e tudo será interessante. Não acho que este seja o caso.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *