Tarantino atuou em alguns dos seus filmes, mas nunca como aqui. Em À Prova de Morte ele interpreta Warren, o dono do bar tipo mexicano que suas girls vão curtir. Sua brincadeira metalinguística é frequente, mas chega a um dos melhores momentos quando pede para uma funcionária do bar acender as luzes do estacionamento. Quem está lá é Arlene (Vanessa Ferlito e seu olhar matador), distraída com a chuva. Num trecho anterior ela estranhou um carro vintage, preto, parado em frente ao outro bar que ela e suas amigas visitaram. Quando Warren faz com que as luzes se acendam, é Tarantino quem faz sua atriz olhar para o lado e constrói a atenção de Arlene para o estacionamento: está lá o carro misterioso, com uma grande caveira no capô. A brincadeira cênica nos leva para o fato mais importante: o carro do Stuntman Mike traz para Arlene um fascínio que faz com que ela se levante e o observe mais atentamente. Temos então um objeto inanimado que é símbolo duplo para a primeira parte do filme. O carro, ao mesmo tempo que é “à prova de morte”, é a própria morte chegando (como na tradição do seu diretor preferido, Briam De Palma, o carro das garotas é vermelho). O que veremos no segundo trecho é Tarantino trabalhar uma vingança metalinguística, fora do campo diegético (ou seja, que não é parte da história que vemos): só nós espectadores entendemos a “real importância” do que o trio girl-power faz ao final. Elas se vingam pelo que viveram em poucos minutos; nós nos vingamos pelo que vivemos com as personagens de Tarantino antes e depois.
Este post faz parte da série “Teoria dos Objetos Inanimados”, baseada na premissa iniciada por Paul Auster em seu livro “Homem no Escuro”. Leia outras análises a partir da teoria.