Fotos: Fernanda Paiva
A primeira parte, sobre ir ao show – e sofrer
Saí de João Pessoa às 2h40 da manhã do dia 10 de abril. Era o dia do show e eu tinha passado o sábado inteiro no One Day Show, evento brilhantemente produzido pela Tag Group e apoiado pela TV Cabo Branco e Paraíba1, empresas onde eu trabalho. O evento foi ótimo, nada cansativo e deu um gás bacana. O problema todo é porque havia uma certeza de vários dias antes: eu não durmo em avião (ao menos não na ida) e não seria dessa vez que isso iria acontecer.
De fato, não aconteceu. Eu obviamente estava ansioso. Estava indo a São Paulo assistir, numa mesma noite, ao show do U2, com direito ao Muse abrindo o espetáculo. Os ingressos esgotaram meses antes e numa dessas promoções de passagem eu comprei uma bem baratinha pra SP, ainda sem ter ingresso. Tuitei, claro, que havia feito isso e poucos minutos depois apareceu ingresso pista, para o dia 10 (o dia era importante, já que alguns amigos também iriam) e acordo estava feito. Comprei tudo e só perdi o Love 2011, que aconteceu na sexta e sábado. Mas isso é mais fácil de resolver em 2012, algo assim.
“Como diria o Azaghal do Nerdcast, o Formule1 se enquadra na categoria ‘econômico sem opcional dignidade'”.A história de tensão começa aqui. Eu realmente não dormi nas 3h de viagem e isso foi péssimo. Dei só uma cochilada no caminho de ônibus de Guarulhos pra São Paulo, mais especificamente para a Av. Vergueiro, na estação Paraíso, no hotel Formule1. Eu já cheguei lá com a proposta na ponta da língua, precisaria ser bom de papo. O Formule1 tem check-in somente ao meio-dia e não aceita que você entre antes de jeito nenhum. Falei pro cara do atendimento que ele tinha que me ajudar. Eram 8h45 da manhã e sair depois das 12h para o show (do outro lado da cidade) iria me atrapalhar muito. Ele precisava me liberar pelo menos umas 11h da manhã pra poder eu sair de lá estourando 12h. E aí foi o que eu consegui. Tirando o fato que eu estava péssimo da barriga, foram 2h de espera que depois me garantiram ao menos um banho digno. Ou não, afinal, como diria o Azaghal do Nerdcast, o Formule1 se enquadra na categoria “econômico sem opcional dignidade”.
E lá fomos eu, Nicoly e Alana atrás de um ônibus que saísse das redondezas do hotel para o Morumbi. Era um domingo de show do U2 e estávamos em São Paulo. Isso não iria dar certo mesmo. E não deu. Primeiro porque em São Paulo ninguém sabe informar nada direito. Um diz que o ponto de ônibus é ali na esquina, o outro diz que é mais embaixo, já o outro manda você voltar e no meio do caminho você já achou um brasiliense que estava na cidade por ser ativista da UNE, mas precisa ir encontrar sua paquera que estaria na fila do U2. Depois dele, claro, aparece um táxi que faz a corrida por 45 reais, que divida por quatro até que não ficava uma má pedida. O taxisita então tem família em Cajazeiras – PB e contou todas as suas histórias malucas. Figurão. Chegamos rapidinho no estádio, mas não eram nem 14h. A abertura dos portões estava programada para as 15h e o show para as 19h30. Ou seja…
Eu sou um cara sedentário, de coluna vertebral problemática. Ela vinha dolorida durante a semana inteira. Tem a ver com postura errada, com tensão, com sedentarismo, com muito trabalho, com um bocado de coisa. Não ia dar certo né? Duas horas na fila, mais pelo menos três horas e meia esperando pra o show começar.
“Eu fui descendo as ladeiras para o gramado sem acreditar…o inner circle estava aberto, minhas amigas já estavam lá dentro e em poucos segundos, eu também”.Quando finalmente estávamos chegando ao portão de entrada, eu entrego meu ingresso, com uma felicidade imensa. A moça pega o ticket pra fazer a verificação do código de barras e puén. O leitor não lia. Ela passa o ingresso pra outra moça e o outro leitor também não leu. Olho pra ela com uma carinha básica de desespero e digo: “não faz isso comigo…”. Ela respondeu bem-humorada: “calma, calma..ela vai só verificar ali”. E jogaram o ingresso na mão da moça que parecia ser aquela que verifica se o bendito ingresso é verdadeiro. Eu já estava prestes a desmaiar quando ela falou: “calma, é só uma barrinha do código que está apagada…tá tudo certo”. Pra quem não ficou sabendo 35 paraibanos foram enganados com ingressos falsos no fim de semana.
Passei aliviado e vou entrando no Morumbi quando reparo no fato mais incrível. Eu comprei ingresso para a pista e o show do U2 da turnê 360º tem uma estrutura meio anti-elitista. O palco é circular e ao redor dele existe um círculo fechado, colado no palco, cercado por uma ponte circular maior. Acontece que essa área é aberta por ordem de chegada e cabem 3 mil pessoas. Chegue cedo e fique nela, sem problemas. Eu fui descendo as ladeiras para o gramado sem acreditar…o inner circle estava aberto, minhas amigas já estavam lá dentro e em poucos segundos, eu também. Feliz da vida, só não sabia do caos que iria começar em alguns minutos.
Claro, era uma zona de guerra. As pessoas querem ficar mais perto do palco, as outras obviamente não deixam e o lugar onde eu fiquei não era lá muito privilegiado. Tumulto pra lá, porque a galera começou a sentar e ocupar mais espaço, tumulto pra cá, porque a galera da parte de trás começou a empurrar, tumulto acolá, quando passa um cara bêbado que esbarra numa menina e resolve dizer “vá tomar no **! Eu sou branco!” batendo no seu próprio braço, como querendo mostrar seu sangue azul. Fiquei assustado, afinal, parecia ter até neonazista no bendito show.
Eu comece a me estressar. Coluna arrebentada pelo cansaço, pés doendo, apertado demais, sendo empurrado, aguentando gente que sai lá de trás, furando espaço, chegar do meu lado e dar uma de “olha! como pode? eles ficam aí empurrando”. Tinha um monte de gente sentada e quando obrigaram (a organização) essas pessoas a se levantar, tudo que aparentemente iria melhorar, ficou pior. Mudamos de lugar, para uma visão melhor do palco, mas o aperto aumentou e, pra ajudar, começou a chover. A essa altura eu já tinha perdido minha pílula de motivação que vinha de Alana e Nicoly. Elas estavam distantes, protegidas da chuva, perto da grade. Eu, sozinho, fui lá buscar minhas coisas com elas e saí daquele aperto.
Agora vem a parte mais dramática
Saí de lá e a chuva aumentou. Cobriram o palco com uma lona e vez ou outra passavam por lá tentando enxugar tudo, o que de nada adiantava, tendo em vista que a chuva não parava. Era uma dessas chuvas de SP que tem relâmpagos sinistros, trovões e que, pra quem estava de bermuda como eu, dá um frio danado.
Como já mencionei, eu não havia dormido e estava com muita dor nas costas. Sentei na área mais livre do círculo interno, abaixo de uma das pontes, e comecei a descansar. De repente me pego cochilando sozinho. Tosco. E nada da chuva parar. Mais chuva. E começou a bater o desespero. Custo da passagem, custo da hospedagem, custo do ingresso, custo dos táxis. Se esse show for cancelado, será a minha falência mais inútil já vista. Eu realmente comecei a ficar mal. Se passa uma hora, a chuva aumenta, o frio também. Imagine, você sair de João Pessoa, bater lá em São Paulo e o bendito show ser cancelado? Era meu primeiro show em estádio (exceto o Sun Rock, onde trabalhei); meu primeiro show do U2; meu primeiro show a investir pesado pra ir. O drama era grande. Ou não, eu que sou dramático mesmo.
“Eu realmente comecei a ficar mal. Se passa uma hora, a chuva aumenta, o frio também. Imagine, você sair de João Pessoa, bater lá em São Paulo e o bendito show ser cancelado?”.A chuva começa a diminuir, mas continua neblinando, com o céu muito fechado e os relâmpagos animando a balada da galera que, de tão empolgada, quando chovia um pouco mais eles se resolviam na vida fazendo uma ôla. Santos brasileiros. Com a redução da chuva, o crew do Muse chega ao palco, tira a lona, coloca uma dessas tendas de reveillon-na-praia em cima dos instrumentos, tocam três acordes na guitarra pra checar se está tudo OK e, sério, DE REPENTE, DO NADA, o Muse já está no palco e eu estou chorando de alegria porque a coisa toda iria acontecer e…claro, era o MUSE no palco.
Os caras detonam. Detonam muito. Matthew, Dominic e Christopher são músicos excepcionais, com letras malucas sobre revoluções intergaláticas, conspirações e heroísmo pós-moderno. Letras que de alguma forma tem representado essa geração, unidas a um instrumental que mistura o virtuose do metal, com um clima meio ópera rock, bastante inspirado no Queen. Uma banda que já lota estádios na Europa, mas que no Brasil não enche nem um Credicard Hall direito. Abriram o show com destreza ímpar, deram uma animada na galera e não tocaram “Invincible”. Só não foi melhor porque eu não vi o show de um bom lugar. E considerando que eles são muito performáticos, isso fez falta.
Foi durante o show do Muse que de repente eu esbarro com João Paulo Sette, que organizou o Sun Rock Festival. Eu tava lá, cabisbaixo, curtindo um pouco do show do muse. Sem esperanças de ver o show do U2 direito, porque na área onde eu estava, havia duas tendas que tampavam a visão do palco. Desde o começo eu achava estranha a posição delas, porque elas atrapalhavam a passagem de uma das pontes usadas na estrutura do palco do U2. Foi aí que JP Sette falou: “Ricardo, relaxa que isso aqui é um ótimo lugar pra assistir o show. Essas tendas aí vão sair e a ponte vai ficar passando por aqui várias vezes”. E foi exatamente isso que aconteceu. E quando aconteceu, eu fiquei num excelente lugar, sem apertos e sem incômodos (exceto pelos playboys bêbados ao redor), numa visão mega privilegiada.
Agora vem a parte das tecnologias
O show do Muse já deu uma prévia do potencial do telão gigantesco da estrutura de palco do U2. Dá pra notar que ele está todo em alta definição, com grafismos em tempo real, brincando com a imagem de uma maneira incrível. Mas havia tendas brancas no palco. Ou seja, meio mico aqueles takes em close pegando os óculos brilhantes do Matthew e uma tenda branca lá trás. Aí o show do Muse acabou e o crew do U2 chegou no palco pra organizar tudo. Os amplificadores do The Edge vieram numa redoma de acrílico e os caras começaram a ativar um mega guarda-chuva-robótico-transparente, que vinha da parte de baixo do palco. Eram quatro deles. Muse owned.
“Os caras ficam durante todo o show passeando pelas pontes ao redor da estrutura central. Isso faz você olhar pra trás, pra cima, para os lados. Tudo muda”.A estrutura é estupenda. Em cada uma das quatro pernas da “garra” tem 3 caras pendurados por duas horas, segurando os canhões de luz que fazem uma diferença monumental na iluminação. Ficam lá, suspensos pouco antes e durante o show inteiro. Gente corajosa. Devem ser bem pagos.
A luz é realmente absurda. Não erra nunca e eles tem muita coisa pra mostrar. Afinal dos caras ficam durante todo o show passeando pelas pontes ao redor da estrutura central. Sim, eles fazem isso durante todo o show e isso muda bastante a experiência. Faz você olhar pra trás, pra cima, para os lados. Tudo muda.
Muda mais ainda quando você tem um telão como esse utilizado na turnê. Imagine então quando ele começa a descer, ficar mais perto da gente e, com tudo funcionando perfeitamente, se estica e se torna uma mega colmeia visualmente magnífica. É lindo, basta dizer isso.
Seguindo a estrutura da Elevation e Vertigo Tours, os caras contam com um mega círculo externo, bastante baixo, que faz com que eles circulem muito próximo do público. A sensação é que eles estão muito perto e os caras são bons de palco. Sabem animar a galera, tocam muito e continuam se renovando.
Agora a parte final, sobre a banda e o repertório
Eu não posso dizer que sou um fã especialista em U2, como o amigo @andrecananea, que está curtindo o show enquanto eu termino este texto. Ele curtiu os primeiros álbuns, sabe tudo da banda, tem tudo deles. Eu dei atenção ao U2 somente a partir dos três álbuns mais recentes. Lembro, quando era bem mais novo, da turnê Pop Mart sendo transmitida pela TV, assim como de alguns funcionários da empresa do meu pai comentando o quanto gostavam da banda. Não fazia ideia do que eles estavam falando, nem que um dia eu gostaria tanto assim.
Mas gosto o suficiente pra chorar emocionado ouvindo e vendo, ao vivo, os primeiros acordes de “I still haven’t found what I’m looking for”, ou “Where the streets have no name”. Não apenas porque são mega sucessos, mas sobretudo porque representam muita coisa pra mim, sobre fé, espiritualidade e, claro, porque são belas canções.
“Eu voltei ao hotel cochilando no chão do ônibus, com a certeza de que muito provavelmente não enfrento mais aventuras assim enquanto for um nerd sedentário”.O suficiente pra pular muito ao som dos hits animadíssimos mais recentes, como “Elevation”, “Vertigo”, “Get On Your Boots” e “Beautiful Day”. O suficiente para babar vendo o feeling infalível do Edge e seus timbres mega trabalhados no subterrâneo do palco, com suas guitarras fantásticas. Fiquei curioso: qual o nome da profissão do cara que deve ficar em baixo do palco ativando os pedais do Edge? Até porque dá pra notar que ele não ativa nada para os solos – é tudo milimetricamente programado e ativado bem longe dos pés dele.
Ao fim, temos um espetáculo que é um marco histórico de tecnologia, de inovação, vigor musical e, um diferencial na carreira do U2. Esta é a maior turnê que eles já fizeram, com a estrutura mais megalomaníaca, mas coesa e funcional. A experiência é viva para quem assiste de baixo por vê-los de perto, mas também deve ser bela pra quem vê de longe, pelo espetáculo visual.
Eu voltei ao hotel cochilando no chão do ônibus, todo quebrado, cansado, com a certeza de que muito provavelmente não enfrento mais aventuras assim enquanto for um nerd sedentário. O grande porém é que eu havia acabado de assistir uma das maiores bandas da história do rock, com um show de abertura de uma das melhores bandas contemporâneas, numa única noite, que já ficou pra história. História boa pra contar pra os netos e aqui pra vocês.
Boa parte do texto escrito ao som do U2, ao vivo, realizando o último show da turnê no Brasil.
Sua história é até tranquila, perto de alguém que chegou ultra-cedo na fila e quase perde o lugar por causa de uma ida ao banheiro. Rá! Mas graças a Deus pegamos um bom lugar e entramos para a história nesse show. Quanto a Muse… Bom. Prefiro não meter o pau já que estou nas "suas áreas". Mas no meu blog, não os perdoarei! hahahaha! Abraço.
Posso elencar diversas razões/possibilidades que tornariam a sua narrativa ainda mais dramática, principalmente, por ser em São Paulo onde o caos impera, eu sei do que estou falando. E só pra fechar: Você é dramático! bjs