Alto’s Adventure, jogos endless running e as histórias que não terminam

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O rebelde Sísifo ganhou um castigo: rolar uma pedra de mármore até o topo da montanha. O mito grego conta que o rapaz estava fadado a ver a pedra deslizar até embaixo assim que chegava muito perto de alcançar o topo. Seu trabalho passou a ser metáfora de uma rotina repetitiva em busca de um objetivo que não se alcança, cansativo e sem opção de desistir.

A metáfora que já serviu para explicar o trabalho do jornalista de redação, hoje é perfeita para entender a moda dos jogos no estilo endless running.

Subway Surfers, Temple Run e Jetpack Joyride talvez sejam os maiores ícones desse estilo, que também tem pérolas indies como Canabalt e o recente e incrivelmente bonito Alto’s Adventure. A lista de jogos, porém, é praticamente infinita, diversa e as novidades sempre ocupam o ranking de mais baixados da App Store ou Play Store.

Canabalt e seu universo apocalíptico e misterioso: não saber nada pode ser um elemento narrativo.
Canabalt e seu universo apocalíptico e misterioso: não saber nada pode ser um elemento narrativo.

Se a lógica do endless running é progredir com um determinado personagem por um cenário sem fim, acumulando pontos pela distância ou itens coletados no caminho, a lógica da sua existência continua não é um aprofundamento simples.

Os endless running não têm uma narrativa específica com início, meio e fim. Mesmo que a narrativa tenha sido secundária por muito tempo no mundo dos games, ela sempre esteve lá. Nos endless running o esquema é outro. Quase como o cinema poético de um Hou Hsiao-Hsien, parecem mais preocupados em capturar um momento, um clima. Nesse caso, uma aventura. A máxima do endless running é o valor da jornada e não do fim.

O formato, entretanto, parece revelar caminhos específicos da produção cultural no universo de games. O endless running vai na contra-mão de uma das evoluções mais importantes dessa indústria, que é a nova qualidade das narrativas. Ainda engatinhando na arte de contar boas histórias interativas, os roteiristas de games veêm em paralelo o sucesso dos casuais que não contam, efetivamente, história nenhuma.

Talvez a grande história desses jogos seja o mundo sem rumo dos seus personagens, pra ficar na ironia.

Enquanto se observa a profundidade e complexidade do roteiro de produções como The Last of Us ou GTA 5, vem um Alto’s Adventure, o lançamento da vez, e fala apenas de um fazendeiro snowboarder tentando recuperar suas lhamas perdidas.

Acontece que, na construção tradicional de roteiro, esse fazendeiro radical precisaria viver um conflito, um clímax e, enfim, uma resolução.

Não em um endless running.

Não importa quantas lhamas, quantas montanhas ele vai descer, quantas moedas vai conseguir, ou quantos penhascos vai pular. Isso está nas mãos do jogador, em sua habilidade. Não há valor narrativo em Alto’s Adventure ou seus pares de endless. Seu valor é meramente atmosférico.

The Last of Us traz complexidade narrativa digna de um romance ou filme de primeira linha.
The Last of Us traz complexidade narrativa digna de um romance ou filme de primeira linha.

O modelo, absorvido à exaustão pela indústria de mobile apps, se tornou também uma forma específica de negócio. Na expectativa de que a relação do jogador também seja sem fim, vários endless têm a possibilidade de compra de personagens ou recursos com moeda real, ampliando o número de caminhos possíveis, sem chegar nem perto de tocar na possibilidade de uma narrativa.

Segundo a Wired, os criadores de Alto’s Adventure se inspiraram na beleza de Tiny Wings, outro endless running disruptivo na estética. A pergunta inquietante é: Tiny Wings é tudo que poderia ser referência para criativos que fazem um jogo tão bonito quanto Alto’s? Ou mais: por que um endless running?

Por trás desse questionamento está, na verdade, um outros, ainda maiores e conflitantes: o endless running é uma tendência acomodada que está distanciando os desenvolvedores indies da narrativa? Ou simplesmente é uma forma nova de narrativa impressa nos games (atmosférica e não-linear)?

Sem resposta precisa, Alto’s Adventure, Canabalt e Tiny Wings parecem ser sinais interessantes de que são bem mais que meros time killers para a fila do banco. Basta olhar (e jogar) um pouco mais.

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