Pancada doce

Fui ao teatro do SESI, sentei na poltrona-que-range, apoiei meu queixo sobre os cotovelos em V na sacada da janela, abri suas portas, olhei para vizinhaça e assisti Por Elise. Me parece que a peça era para ser vista assim; por isso, continuei. E justo como alguém que, algumas vezes ao dia, abre as janelas e olha para a vida alheia, observei. E no ápice do estado voyerístico-espectativo, assistia o desenrrolar da vizinhança. Risquei as janelas com minhas anotações; agora retorno e vejo que tenho, no máximo, post-its-metáforas:

– Quem tem histórias para contar, se ainda deseja respirar, tem de contá-las; mesmo que sejam sobre homens que infartam e entram em estado de lirismo ou mulheres que tem medo que os abacates caiam; Mesmo que os abacates caiam.

– As pancadas só podem ser doces se previamente avisadas; e aquela simpática senhorinha que me apareceu no sonho, pouco antes de realmente olhar pela janela, contando dos cachorros que ouvem bem, me avisou do doce espancamento. Isso me fez bem e a porrada veio, mas veio doce feito goibada cascão.

– Cuidado com as coisas que você planta.

– Nem todo lixeiro é lixeiro, nem toda senhorinha é somente senhorinha, nem todo homem da carrocinha é o homem da carrocinha, nem toda mulher na crise dos trinta é somente isso. Porque nem todo rapaz de barba e cabelos combinando é somente um rapaz barbado e bem vestido.

– Lá vem o carro do gás. Sempre acabam com Bethoven.

– Por que a gente sempre se deixa levar por qualquer coisa. E vai correndo por qualquer coisa. Se nos contam a verdade, viramos cachorros e gritamos latindo. Mas, sempre corremos atrás de qualquer vento.

– E como a gente corre.

– TUM TUM…TUM TUM…TUM TUM…

– Brasil é o país do melodrama. O Brasil do ano 2000 é o país do melodrama non-sense. Paul Thomas Anderson faz sapos caírem do céu. Aqui da janela vejo caindo abacates. E como me doem.

– Cavalos passam correndo na minha frente. Dizem que vão ao mar.

– Não gosto de cachorros. Tive apenas um e não quero outra vez. Tenho estranha relação com quem os cria como gente. Entendi porquê.

– BUFT! Mais um abacate.

– Meus vizinhos tem essa mania de se apegar a qualquer coisa por nunca acharem o que desejam. Confirmo que não o acham porque sempre o foco está no que desejam e não no quê procuram.

– Por mim, por favor, entenda. Por mim. Se este mim ainda tem algum valor.

– E se você me der o seu lar, eu cuidarei do seu jardim, do seu jantar, de você, de mim e até do seu cachorro.

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“Dizem que os cães ouvem muito melhor do que nós. O coração, por exemplo, eles não escutam “tum, tum, tum!” como nós ouvimos, e sim “quem, quem, quem”. Dizem que é porque o coração é aquele que ouve uma voz desesperada, longe, gritando: “EU TE AMO! EU TE AMO!”, e então ele bate desesperado respondendo: “Quem? Quem? Quem?”. E a “gente” é quem, também no desespero, manda essa voz se calar: Dizem.”

A senhorinha que agora é minha vizinha.

Por Elise, do Grupo Espanca! (MG), no teatro do SESI centro de João Pessoa (em frente ao Hotel JR). Hoje, domingo, é a última apresentação na cidade, às 18:30h. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5.”

Ricardo Oliveira
Fotos: Grupo Espanca!

2 Replies to “Pancada doce”

  1. tu quer me matar eh?
    meu Deus, olha ela aí, umas das atrizes mais completas que eu já vi na vida.
    e tu acha mesmo que eu vou perder acha?
    ai meu Deus, por mim eu carregava todos os meus amigos pra assistir a peça.
    mas eu vou nem que seja só.
    ai to doida que chegue 18:30 logo.
    meu Deeeeeus eu vou assistir por elise
    isso é real?
    só eu sei o quanto eu esperei p assistir isso.
    ricardo vc salvou minha vida
    HAHAHAHHHAH
    ;***********

  2. Eu conheci o Grupo Espanca no Outubro de Teatro do ano passado. Eles realmente são muito bons.

    Expectativa muito grande para rever Gustavo, Paulo, e toda a equipe…mas a recuperação da cirurgia que fiz é milimetrica…hauhauhauha

    Saudades de vc.
    To indo sexta d emadrugada!
    =D

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