Ely Marques: um editor de filmes

Foi com surpresa e pesar imenso que recebi a notícia de que o grande Ely Marques partiu, devido ao coronavírus no último sábado, 03 de abril.  Por estar fora do Twitter, não sabia nem de sua internação. Conheci Ely por intermédio de Arthur Lins, seu grande amigo e parceiro de muitas produções. Editor nato, com olhos, sensibilidade e cliques em uma vastidão de filmes paraibanos, Ely construiu a reputação mais na ilha do que no set. Mas também esteve lá codirigindo com Arthur dois filmes essenciais para minha cinefilia e para a produção local: Um Fazedor de Filmes (doc) e O Plano do Cachorro (ficção).

Ely estava internado desde 28 de março e seus relatos no Twitter revelam que ele via com esperança a sua recuperação. Asmático, deixou claro que a limitação de respiração da covid-19 é bem mais intensa. Estava lá com sua companheira, também internada e ainda em recuperação.

Não fui de fato tão próximo de Ely, mas meu primeiro Gmail trai minha memória: tenho inúmeros e-mails e chats com ele, falando sobre filmes, equipamentos, pesquisas. Há pedidos de entrevistas, troca de textos que escrevi sobre seus filmes com Arthur – tem muita coisa que eu não lembrava. Sempre solícito, aturando minha curiosidade e empolgação acima do normal com o que pra ele já devia ser lugar comum. Numa das conversas, puxei assunto sobre como ter visto os filmes do tailandês Apichatpong me remeteu a “Passadouro” de Torquato Joel. No que ele me respondeu que tinha acabado de ver os filmes do diretor com o próprio Torquato em São Paulo. E que Torquato tinha gostado.

Todas essas conexões de cinefilia giraram em torno do período em que fiz jornalismo (2004-2008) e o mestrado em comunicação (2009-2011), mantendo ainda algumas pontes graças à minha presença no caderno Vida & Arte do Jornal da Paraíba no início de 2010. Ely fez parte da formação do CineClube Corte-Seco com Arthur, trazendo obras autorais que não frequentavam salas pessoenses (foi lá onde descobri o cinema coreano, por exemplo). Nos últimos anos, intensificou sua jornada política através do PSOL, atuando até na direção do partido na Paraíba. Ely, entretanto, já atuava em nome de uma cultura livre e de largo alcance há muitos anos.

Em 2006, na ocasião do lançamento de O Fazedor… eu escrevi texto para disciplina de documentário cinematográfico no curso de jornalismo da UFPB. E eu estava certo de que esse texto estava aqui no blog, mas não o encontrei. Então resolvi republicá-lo, tanto para o registro pessoal e documental do cinema paraibano, como porque nele há um parágrafo inteiro sobre o olhar de Ely e Arthur no filme. É um texto sobre se encantar com a sétima arte e, no ato de documentar, ser o primeiro espectador da narrativa em construção. Deixo aqui um trecho em homenagem ao colega, desejando conforto à sua família e recuperação plena à sua companheira:

Há um outro encanto. O de quem tem o olhar em busca de grandes achados mesmo que estes, por muitos, não sejam considerados grande coisa. O encanto de quem está atrás da beleza de um depoimento que vem naturalmente. A beleza de uma descoberta que traz novo fôlego a essas buscas. Arthur Lins e Ely Marques acham Ivanildo e seus colegas e ali firmam relação que, por certo, não se resume a de entrevistado e entrevistador. Parece, pelo o modo de filmar dos diretores, pelo o modo de colher esses depoimentos, que não há necessidade de um espectador. Que a conversa não está para um possível grupo de pessoas que um dia talvez assistiriam numa sala escura tudo aquilo que fora captado. Arthur e Ely são os primeiros espectadores do filme. Por isso, suas intervenções – perguntando e acrescentando-se às falas de alguns dos entrevistados -, não parecem ser de um diretor de documentário perguntando para seu “objeto de estudo/apresentação ao mundo”. Mas, parece sim, o que nós gostaríamos de perguntar a Ivanildo se tivéssemos o descoberto. [Leia o texto na íntegra]

 

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