Tropa de Elite (José Padilha) | Cinema | *****
O seriado americano Dexter narra a história de um perito da polícia de Miami que, nas horas vagas, faz a “faxina” da cidade eliminando os assassinos seriais ou delinqüentes com muitas mortes nas costas. Assistimos à série e, através dos grandes truques da narrativa e elaborado discurso de humor negro, não só simpatizamos como nos sentimos amigos de Dexter. Ele mata por prazer e, apesar de conseguirmos nos podar sobre o assunto, ainda achamos legal todo o seu processo de descoberta como possível ser humano, mesmo que isso esteja acontecendo depois dos seus quase ou mesmo trinta anos.
A questão em Tropa de Elite, de José Padilha, é que para um brasileiro que ainda tenha o mínimo de sensibilidade aos problemas do país, é impossível tal distanciamento. Quanto aos produtos estadunidenses, conseguimos ficar distantes pois já somos acostumados a esse processo: nascemos assistindo tais peças de valor artístico ou comercial e criamos um calo para os problemas deles – “tô nem aí” cantariam alguns. Já aqui, estamos falando de um Capitão Nascimento, com seus trinta e poucos anos, que mata sem razão, treina outros para matar, elimina a sujeira que impede o funcionamento do sistema e, durante o filme, superficialmente descobre as necessidades de se organizar como um futuro pai.
Um detalhe surge mais uma vez entre os dois personagens aqui analisados: em nossa relação com eles, desejamos, nem que seja por um pouco, ter o seu poder e frieza. Há em todo ser humano os traços de Dexter e Nascimento: queremos fazer justiça com nossas mãos e achamos que essa, quem sabe, pode ser a melhor solução. Para os enormes problemas do Brasil, queremos olhar com cara de machões que foram treinados pelos militares de Nascido Para Matar (Stanley Kubrick) e dizer: “pega o saco!”.
E então, poderíamos perguntar de onde surge esse desejo por violência. A cartela no início do filme vem com citação da psicologia social afirmando que a maior parte do nosso comportamento surge das relações exteriores e não da nossa construção interior. Ora, Dexter é um órfão que foi achado pelo pai adotivo (um policial) dentro de um container cheio de sangue. Na infância, revela o interesse mórbido pela morte de animais, pela violência com as pessoas. O pai percebe e o treina para ser um justiceiro quando crescer: revela ao filho a prodridão de Miami, lhe ensina a portar uma arma, lhe dá um código de conduta e, principalmente, mostra que viver uma máscara é essencial para esse tipo de vida.
Cap. Nascimento é sempre claro sobre suas origens dentro da corporação: assim como Neto e Matias, um dia foi da PM e se deparou com a sujeira do morro. Como eles, se percebeu numa realidade que exige frieza, precisão e caleijamento para enfrentá-la. Entrou para o Bope e se tornou o que é. Revela abertamente em sua narração, ser mais passional – como Neto. Testifica então, quando agride um estudante que está no morro, o discurso de Maria (Fernanda Machado) de que a polícia primeiro atira para depois ver em quem atirou. Logo, o problema para o Cap. Nascimento não é mais encarar a morte, mas, tornar-se “Beto” ao voltar para casa e encarar a vida: seu filho está prestes a nascer.
Parece-me então que o Brasil se revela nesse contexto. Milhões viram o filme antes mesmo dele chegar aos cinemas. Não há como apenas culpar a pirataria. A questão aqui é mais profunda: houve uma mobilização nacional para um evento midiático: a revelação, pela primeira vez, do outro lado da moeda, o lado dos possíveis mocinhos da história. Logo, num primeiro olhar, se conclui que vivemos num país em que não há mocinhos: a lama já teria invadido seja o pé ou o alto do morro. O país já teria descoberto a rápida e precisa solução para seus problemas. “Mata todo mundo que não presta. Faça isso até onde você puder sobreviver”.
Dexter, na segunda temporada, acaba de descobrir que matar não é assim tão simples. Existe nele um traço de humanidade que indica que não nasceu para isso – mesmo que seu caráter lute contra essa verdade. Será então que o Brasil, com esse genial soco no estômago chamado Tropa de Elite, vai acordar e descobrir que, como o Cap. Nascimento, se não encarar a vida iminente de forma emergencial, vai perdê-la na próxima noite?
Ricardo Oliveira
Se voce fizer um minimo de pesquisa, vai ver que uma das principais caracteristicas do romantismo eh o amor pela utopia. tem muito teorico que traça o romantismo ingles como origem da ficcao cientifica por isso.
o ponto eh que esse seu post ficou absolutamente romantico, ricardo. como assim “mata sem razao”? isso nao existe. ha uma causa pra tudo. mesmo que seja sua consciencia mandando voce fazer, ha uma razao.
digo mais: o filme eh sensacional, tropa de elite, mas vamos combinar – eh uma obra artistica, po. a visao de lah nao eh ” o lado dos mocinhos “. eh soh mais um artificio de retorica midiatica que escolheu mostrar outro lado. o problema eh que o brasil anda tao cansado do “traficante eh quem nao tem oportunidade na vida” que escolheu abraçar o filme – e nada me tira da cabeça que o filme vazar TAMBEM foi jogada de marketing viral.
“mobilizacao nacional pra um evento midiatico”? nah. nao acredito nisso. eh mais uma vez a logica da midia sim, e do capital, onde de repente vazar o filme pode nao ter enchido o bolso dos produtores de grana, mas deu um prestigio pra eles – e pro wagner moura – que eles sequer sonhavam com.
menos romance, pesquisador. menos romance abre a cabeça melhor.
eu ainda não assiti né?
mas assim, esse desejo de justiça é muito inerente a cada um de nós, o problema é que a grande maioria olha, se comove e rapidamente esquece.
acho que deve ter um meio termo, uma moderação, mas enfim, depois que eu assistir comento melhor ;)
Ok, não vi ainda TROPA DE ELITE, mas já assisti DEXTER. Para ser mais exato assisti os primeiros 7 episódios da primeira temporada.
A trama é realmente única, o caráter dele desde a infância… tudo muito bem desenvolvido, mas acabei parando de assistir…
Até mais brotha!
http://musicolotra.gospelmais.com.br/cidade-maravilhosa/