Fenart 2008 – Comentários sobre espetáculos de teatro e dança

MANDRÁGORA, ACena Grupo de Dança
de Rosa Cagliani

Primeira vez que assisti um espetáculo da companhia. Rosa Cagliani já tem um tempo longo na cidade e realizou outros trabalhos nos últimos anos, mas não acompanhei. A apresentação de Mandrágora foi complicada no Fenart. As meninas demonstraram alguns problemas na execução das coreografias; havia pouco impacto e pequenas falhas visíveis a olhos mais atentos. Uma questão importante, entretanto, é que se havia alguma riqueza na intenção de dramatizar situações, isso levou o grupo a perder noutro aspecto: faltou dança. Mesmo com belas intervenções, como quando a bailarina Ali Cagliani canta acapella, ou até na elaboração de uma trilha exclusiva para o espetáculo (mesmo que esta não me agrade), falta dança em Mandrágora.

MALAKI, Paralelo Cia de Dança
de Joyce Barbosa e Canízio Vitóro

Há uma melhora evidente no trabalho da Paralelo. Na apresentação de Dois Cânticos e Uma Canção, no último Fenart, havia problemas como os que citei quanto a Mandrágora. Uma busca de significar, interpretar e lançar movimentos que nos levem aos poemas de Florbela Espanca, Virginia Woolf e Cecília Meirelles. Ao fim, um espetáculo que não nos deixava marcas.

Já em Malaki, o novo espetáculo da companhia, existe uma maior elaboração do que se pretende transmitir. Isso alcança então a esfera da coreografia e do trabalho cênico (é realmente perigoso tanto teatro dentro da dança paraibana?). Uma interpretação rica e intensa das dores, das ausências, da incapacidade de mover-se. De como nos prendemos, de como nos sustentamos no outro quando a dor inevitavelmente vem à tona. Creio que é um problema grave que uma das bailarinas segure aquilo que parece um bebê morto. É a inserção de um elemento óbvio, talvez sem necessidade ou colocado de maneira frágil. Lembro aqui de como isso foi melhor elaborado dentro de Tempos em Tempos (Cia Sem Censura) ou mesmo em Mandrágora. A inserção de objetos que interferem na dinâmica do corpo, acrescentando uma dramatização que poderia ser solucionada com mais beleza e menos objetividade, atrapalha, sem dúvida, o andamento da apresentação no início e no fim. Mesmo que essa finalização seja rica e de impacto – pois lança para a platéia a possibilidade de interpretar tudo aquilo se viu.

MERCADORIAS E FUTURO
de José Paes de Lira e Leandra Leal

“Mais do que teatro, “Mercadorias e Futuro” é uma performance que une texto, som, luz e improviso.” A afirmação presente no site da peça dentro da TramaVirtual é de suma importância pra se compreender tudo. Como não foi entregue programa e eu fui totalmente às cegas (sabendo somente que era “a peça de Lirinha do Cordel do Fogo Encantado”) houve um bocado de ruído na comunicação. Resolvi o problema fazendo algumas leituras quando cheguei em casa. E aí os pensamentos passam a mudar, em certos aspectos.

O espetáculo vem de sua estréia em SP direto para o Fenart, sem mesmo ter passado pela terra do próprio Lirinha. Claro, uma baita oportunidade que vale a pena. Mercadorias e Futuro tem um quê de protesto, de instigar o debate sobre o valor das coisas – especialmente da arte da poesia, da palavra, dos livros. Sonhadores de guerrilha, armados até os dentes, brada o escritor Lirovsky, um caçador de profetas. O discurso de Lirinha não é nada bobo – ele é apenas desengonçado e, algumas vezes, longo. Como o que vemos ali é uma mistura de interpretação e, ao mesmo tempo, uma apresentação do vocalista do Cordel, é difícil dizer com precisão se tais situações desastrosas são realmente problemas graves. O improviso mistura-se livremente entre o texto oficial e nunca sabemos quando isso realmente está acontecendo. Como disse o amigo André Morais, talvez tudo fique melhor se ele diminuir ou acertar de vez os problemas com toda aquela parafernália. Como o próprio Lirinha disse ao fim, a peça está em construção – logo, creio que tais pensamentos são válidos.

TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA, Armazém Cia de Teatro
Texto de Nelson Rodrigues, direção de Paulo de Moraes

Meu primeiro contato com o texto de Nelson Rodrigues. Vi somente trechos do filme de Jabor e nunca peguei nada pra ler. Talvez isso seja interessante, já que falamos aqui de uma remontagem da peça que Rodrigues escreveu em 1965. O espetáculo é brilhante em suas escolhas. Dei um baita susto na amiga Izadora assim que começou: logo no início Iza iria falar algo pra mim e, ao mesmo tempo, Geni é arrastada por uma corda escondida, como que iniciando ali um reward da peça. Na hora, achei a coisa toda tão fantástica que levantei os braços, espantado; quase dei um grito. Ela caiu na risada abafando a boca com a mão e disse que nunca mais comentaria nada sobre Geni ser aquela mulher da música de Chico Buarque.

O cenário é de uma genialidade e tanto. Simples movimentos de portas podem transformar por inteiro o ambiente, o fato encenado. Uma grande estrutura que revela as aproximações entre os ambientes “castos” e os “sujos” a partir dessas aberturas, da iluminação e do figurino das três tias de Herculano e Patrício. Ao longo da narrativa, tais cenários passam a se confundir: portas sujas adentram os ambientes limpos e vice-versa, assim como roupas, interesses e intrigas. Tudo isso contribuindo para que o texto preciso de Nelson Rodrigues seja interpretado viceralmente por um Thales Coutinho (Herculano) inspiradíssimo. A trilha da peça também é de primeira, e quando de repente toca um dos boleros também presentes em Amor a Flor da Pele (de Wong Kar-Wai) a peça nos leva a fazer pontes com uma cena contemporânea importante (dentro do Cinema), que analisa as relações de amor.

Ricardo Oliveira

com exceção da última, todas são fotos incríveis de Guto Zafalan. Tô impressionado com os clicks do cara e isso não é babação besta não.

4 Replies to “Fenart 2008 – Comentários sobre espetáculos de teatro e dança”

  1. mandrágora e mercadorias do futuro eu não vi, queria mesmo ver ;~
    sobre a peça eu gostei muito e junto com o texto, me encantei com a produção do espetáculo, cenário, tudo muito bom. levei um susto mesmo, toda empolgada pra citar a geni de ‘geni e o zepelim’ da ópera do malandro e o senhor me levanta os braços achando lindo o efeito lá.
    HAIUHAUIHAIUHAIU
    tirando isso a peça é bonita, bem escrita, e talvez uma boa oportunidade pra entrar no mundo de nelson rodrigues [gonçalves?]
    haha
    ;*

  2. Oi!
    Gostei dos seus comentários,de sua visão sobre os espetáculos.Legal aqui o blog,visitarei mais vezes.
    =)

  3. Olá Ricardo!

    Tudo bem?

    Bem, gostei bastante da sua análise do espetáculo “Malaki”. Creio que você pontuou questões importantíssimas que, como coreógrafa e diretora que sou, são extremamente relevantes no que diz respeito ao melhor desenvolvimento do espetáculo.
    O elemento em cena (que parecia uma criança morta) foi muitas vezes repensado por mim: ele fará ou não parte desta nova montagem do trabalho?
    Pensei inúmeras vezes, como você mesmo disse, se eu não estava “dando a informação de bandeja” já no início do espetáculo.
    E, por decisão própria, decidi me manter fiel ao que outrora havia pensado: manter o elemento de cena em cena. Elemento esse que se confunde na profusão de roupas e de caos, por assim dizer, dos conflitos que nos tomam pessoas e coisas que amamos.
    Cada um gosta ou desgosta. Cada um lê da forma que lhe interessar, mas, antes de tudo, é necessário que se esteja aberto para uma maior compreensão das razões que levam um coreógrafo a utilizar determinados tipos de objetos ou, como chamamos, intervenções no palco. Sempre existirá um motivo que, por muitas vezes, escorregará no óbvio, mas que não sabemos ao certo se a idéia era a busca pelo óbvio como uma tentativa de instigação da idéia (no caso do “Malaki”, dor). Ou até mesmo se esse óbvio existe… o que abre o leque de possibilidades de entendimento gerando, ainda, questionamentos e discordâncias.
    ‘Usar a imagem’ e ‘não usar a imagem’ em cena, é sempre um grande desafio para aqueles que trabalham com a arte da dança.
    Quando falo em imagem me refiro a essas interferências que surgem ou já estão em cena como algo fixo ou que se una a coreografia na busca por uma congregação melhor de idéias. Ponto que foi muito discutido no debate de dança que ocorreu no fenart deste ano.
    A leitura de que a presença física da “criança” estava ali apenas alimenta a idéia da dificuldade que nós temos, como seres humanos que somos, de nos distanciar do físico quando alguém morre. A ausência da pele, do cheiro, da fala, do olhar etc de uma pessoa que amamos nos marca e ficamos presos a ela. A minha forma de reiterar a dor e fazer com que o público refletisse um pouco sobre a banalidade da vida atualmente estava ali exposta na figura de uma criança envolta em um pano manchado de sangue.
    Acho pertinente demais fazer releituras em todas as apresentações, pois isso engrandece demais o que nós, como companhia, tentamos desenvolver. Muito obrigada.

    Já com relação ao “Dois cânticos e uma canção”, de 2005, apresentado no fenart daquele ano, realmente ele não se tratava de interpretar poemas de nenhuma delas. Pelo contrário… a idéia e o conceito da coreografia era muito mais biográfico do que interpretativo. E como o que elas escreviam fazia parte do que cada uma era enquanto mulher e pessoa houve, sem dúvida, um entrelaçamento. Mas em momento algum eu me lancei na empreitada de fazer uso de gestos ou movimentos puros que caíssem na forma dos poemas ou escritos das três. Eu não seria capaz de unir universos tão belos e conflituosos em 25 minutos. Seria demasiada arrogância da minha parte. Essa jamais foi minha proposta.
    Enfim, gostei bastante do seu blog. Não te conheço como jornalista, mas ficaria feliz em conhecê-lo. Gostaria de ter o prazer de conversar com você pessoalmente para uma troca de idéias e, quem sabe, debatermos sobre os projetos do mundo da dança paraibana que estão para surgir. Assim você ficaria mais interado sobre como eles surgem e os motivos que nos encaminham para esta arte rica em detalhes.

    Grata pela atenção e um forte abraço

    Joyce Barbosa – coreógrafa e diretora da Paralelo Cia de Dança

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