A Marca da Maldade e o cinema noir

Filme-fronteira: A Marca da Maldade e o cinema noir*

Se pensarmos a história do cinema menos como linha reta e mais como teia, faz-se necessário iniciar esta breve reflexão com questionamentos que nos ajudam a montar (ou desmontar) um quebra-cabeça: o que David Lynch tem a ver com Fritz Lang? Quais as ligações possíveis entre as graphic novels de Frank Miller e os filmes de Billy Wilder? Existem pontes entre o Batman de Christopher Nolan e Orson Welles?

É pouco sensato afirmar que apenas um fator conecta todas estas referências. Seria tolo dizer que somente questões estéticas unem estes diretores e seus filmes, seu modo de fazer e ver a arte. Porém, ao mesmo tempo, negar as ligações conceituais devido a juízos de valor (que diminuam ou elevem os artistas de qualquer época), é voltar à linha reta e fechada que aqui pretendo evitar.

Ora, falamos de uma arte que se preocupa com o obscuro. Para tanto, não se nega a necessidade estética de buscar a imagem que represente de maneira ideal tal preocupação. É neste ponto onde o preto-e-branco (que para muitos era limitação) passa a ser solução ideal: ambigüidades, dualidades, o bem e o mal que existe em todos e em todo lugar, serão perfeitamente retratados apenas com duas cores.

Pensando neste mundo que estava cada vez mais dividido (neste maniqueísmo de bem e mal) durante e após a 2ª Guerra, surge um cinema interessado em retratar este sintoma. Ele não vem à tona enquanto movimento ou mesmo a partir de um grupo específico. Mas os interesses estético-conceituais em comum entre diretores como Fritz Lang, Billy Wilder, Nicholas Ray, Alfred Hitchcock, e mais precisamente John Huston com “O Falcão Maltês”, levam o crítico francês Nino Frank em 1946 a pensar na idéia de filme noir.

Este “negro” (noir em francês) não faz referência apenas ao visual. É bastante óbvio que a fotografia em alto contraste ou a grande quantidade de cenas rodadas à noite darão base para o adjetivo. Mas não é só isso: falamos de um cinema que parece cansado do mundo perfeito e corre em busca daquilo que está podre ou sujo e precisa ser exibido. Assim, veremos policiais corruptos, existencialistas, caçando criminosos nos subúrbios. Veremos musas interpretando  femmes fatales que encantam os policiais corruptos e mudam seus rumos. Tudo é cínico, soberbo e cheio de mal-estar.

Neste contexto, sem seguir qualquer tipo de “regra de movimento”, mas com características que o aproximam bastante deste ciclo dentro do cinema americano, Orson Welles retorna da Europa para dirigir “A Marca da Maldade” – filme que para muitos é considerado o último noir clássico. Com fortes influências barrocas e do expressionismo alemão, Welles traz em seu filme um apanhado visual de alto vigor. Com sua genialidade cheia de exagero, parece trabalhar sua inventividade à cada plano: o primeiro deles de tão expressivo tornou-se antológico. Falamos de um plano-sequência tenso, com mais de três minutos, “atravessando fronteiras” com uma câmera-grua.

Filme-fronteira, por sinal, pode ser uma boa síntese daquilo que é “A Marca da Maldade”. Em determinado momento do filme, o personagem de Charlton Heston afirma sobre o lugar onde toda a história se passa: “Cidades de fronteira sempre mostram o lado ruim do país”. Assim como tais cidades, o filme de Welles (e os lynchs, wilders, finchers…) mostram o que há de sujo neste mundo – e, certamente, em nós.

* Seminário apresentado no panorama “RETROvisor – Estéticas do Audiovisual” no dia 29 de julho/08.

por RICARDO OLIVEIRA

3 Replies to “A Marca da Maldade e o cinema noir”

  1. Dizer que A marca da maldade é melhor que cidadão kane realmente é bem arriscado!

    hehehe

    mas a marca da maldade fica no mesmo nivel de genialidade, welles arregaçava! ja viram a adaptação dele pra ‘o processo’ de kafka? puts! muito bom.

    o próprio welles disse ser o melhor filme dele, eu fico na duvida hehehehehe

    o novo site ta muito bom ricardo! parabens cara!

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