No último dia 11 de outubro, se o compositor Cartola estivesse vivo, completaria 100 anos. Eu não sei qual seria a idade do sábio Salomão (é, aquele dos provérbios) em 2008, mas se eu pudesse, tentaria proporcionar um encontro entre os dois – salvando as questões temporais. Obviamente estaríamos falando de uma reunião bem tranqüila, daquelas de boteco na esquina. Cartola de violão em mãos, convidaria Salomão para sentar e perguntaria: vai um sambinha, aí, chefe? Salomão, sem pestanejar, diria que se fosse pra sambar, que o garçom trouxesse uma caixinha de fósforo pra o rei não perder o batuque.
– E vai de quê, seu Salô? perguntaria Cartola.
– Ah, meu caro, obviamente que não podemos perder tempo. Vamos de “O Sol Nascerá”.
Os dois, portanto, começariam a cantar, sem medo de errar na escolha:
A sorrir eu pretendo levar a vida
Pois chorando eu vi a mocidade perdida
Fim da tempestade, o sol nascerá
Fim desta saudade
Hei de ter outro alguém para amar.
O sorriso do mestre Cartola, somado ao de Salomão, se medidos dariam uma quadra inteira, e obviamente arrancava gargalhadas e lágrimas discretas daqueles que estavam ao redor. Jamais, em qualquer boteco da região, teriam assistido encontro de sabedoria sobre viver o tempo.
Se eu chegasse por lá e, depois de muitas horas de papo, tivesse a oportunidade de apresentar algum som para os dois, falaria de Crombie e do trio Zilero. Seria até mais específico, falaria de duas canções.
Dos cariocas da banda Crombie, vencedores da edição de 2007 do concurso “BdeBanda” do Jornal do Brasil, eu apresentaria “Sobre o Tempo” e dedicaria especificamente a Salomão:
Quase tudo é temporal
Temporal porque está sujeito
Ao sujeito chamado Tempo
Que é mais que momento
Que não se confessa
Pois não sente culpa de nada
Não vê minha pressa
Em displicente caminhada
segue a pé passeando
Deve ser por isso que demora
Parece que tá brincando
Pensando que não tem hora
O tempo que vivo aqui
O tempo de agora
O tempo que está por vir
Que venha sem demora
O som do grupo, por sinal, mesmo não comendo diretamente dos pratos que Cartola nos ofereceu, bebe de outros grandes nomes da música brasileira como Chico Buarque, Djavan, Marisa Monte, João Alexandre e Marcelo Camelo.
Já do quarteto paulistano entitulado Zilero, formado por Deise, Tig, Alex e Marco, eu apresentaria “João” e, claro, dedicaria ao mestre Cartola.
– Essa aqui conta a história de um maluco por samba que se desenganou com a fama – e dava o play no violão, chamando o Cartola pra batucar. Sem pretensões, claro. Depois a gente fica só algumas hora ouvindo-o cantarolar jóias como Alegria.
João se vestiu de empolgação
Debruçou no violão e não quis mais trabalhar
Juntou toda sua inspiração
Aprendeu sambas e canções
E comeceu a cantar: laiá, laiá, laiá…
Deitou se cobriu de esperança
E sonhou entrar da dança
E ver o seu nome brilhar
Queria viver do canto e da viola
Mas nem mesmo nas escolas
Não deram vez ao João
E tudo que o coitado arranjou
Foi cantar sambar por amor
E morrer na ilusão
Ai, meu Senhor
Dai o céu a este homem
Que em busca da fama passou fome
Morreu na ilusão de cantor.
– Gostei…e você conhece essa rapazeada? perguntou Cartola.
– Ah, MySpace serve?
– “Mai” o quê..? soltou Salomão
– MySpace… é um site no qual os músicos de hoje colocam seu som e o mundo inteiro pode ouvir.
– Ah, se fosse assim na minha época – respondeu Cartola – o pessoal não teria demorado tanto pra conhecer meu som.
E depois disso, eu tive de explicar pra velha guarda da sabedoria, como funcionava essa coisa de redes sociais. Eles gostaram, mas acharam que era mais interessante voltar para o samba.
Se o papo tivesse acontecido realmente, talvez mandassem convidar Zilero e Crombie para a próxima roda musical. Certamente, certamente.
Ricardo Oliveira
Cara, preciso admitir: com aquele layout antigo eu vinha aqui apenas para olhar as imagens da home… eu estava desmotivado a clicar… sei lá, é estranho, mas aquele visual antigo tirou a identidade do blog.
Esse tá muito melhor.
Parabens!!!
Que texto legal!!!
Amo crombie, os caras são bons e merecem respeito!! hehehe