Entrevista com David Fincher na Folha Ilustrada

Por Leonardo Cruz

O norte-americano David Fincher vive o momento de maior reconhecimento de seu trabalho. Seu sétimo longa, “O Curioso Caso de Benjamin Button”, recebeu ótimas críticas na imprensa, faz sucesso de público e, na quinta, obteve 13 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme e diretor, a primeira desse cineasta de 46 anos.

No filme, em cartaz no Brasil, Brad Pitt interpreta o homem de relógio biológico invertido, que nasce velho e vai remoçando. Em sua trajetória está Daisy (Cate Blanchett), a mulher que ama. Entre os dois está o tempo, que os separa e os une ao longo de cerca de 80 anos.

A passagem do tempo é um tema caro a Fincher, já explorado em seu filme anterior, o ótimo “Zodíaco”, longa narrativa policial sobre um homem obcecado que dedica anos a perseguir um serial killer. Em “Button”, como o próprio diretor diz, o que está em questão é a passagem da vida, o que experimentamos e o que perdemos. Na última terça-feira, dois dias antes do anúncio dos indicados ao Oscar, Fincher conversou com a Folha por telefone, de Berlim, onde estava para divulgar “Benjamin Button”.

.

.

FOLHA – Posso definir seu filme como uma história de amor assombrada pela morte?

DAVID FINCHER – Sim, sem dúvida. O filme não foge da linha das grandes histórias de amor de Hollywood. A diferença é que em “Benjamin Button” o vilão que manterá o casal separado é o tempo. E com o tempo vem a iminência da morte.

FOLHA – E isso o atraiu ao projeto?
FINCHER – Adoro a ideia de uma história de amor que rompe com a tradição do amor juvenil impossível. Eric [Roth, o roteirista] desenvolveu uma noção muito mais madura de romance, sobre essas duas pessoas que não conseguiriam viver separadas, mas que passam grande parte de suas vidas afastadas. Sobre um casal que optou por estar junto, e não era a escolha mais fácil. E a decisão de Daisy de estar lá, com ele e para ele, em seus momentos finais, é uma imagem belíssima, que resume essa relação.

FOLHA – A questão do tempo já era central em “Zodíaco”. Como você relaciona os dois filmes?
FINCHER – São estilos diferentes, mas “Zodíaco” já tinha elementos do que exploramos em “Button”. Naquele filme, há um jogo com a plateia, com as noções preconcebidas do que é uma investigação policial. A história vai se abrindo aos poucos, o tempo da investigação vai passando, se esgotando, e você percebe que não é um daqueles thrillers convencionais. Nesse sentido, este novo filme é parecido, e esse relógio que nunca para é, em “Benjamin Button”, a passagem da vida.

FOLHA – Ambos têm certa tristeza.
FINCHER – Não acho que “Benjamin Button” seja um filme triste. É um filme sobre as relações que experimentamos ao longo da vida, confrontadas com a perda dessas relações. Sobre as marcas que deixamos uns nos outros quando nos encontramos pelo caminho. Sobre dor, alegria, amor e remorso.

FOLHA – No filme, Button nasce fisicamente velho, mas mentalmente criança. Esse contraste reforça a solidão do personagem?
FINCHER – O filme apresenta para a plateia o que, a princípio, é o melhor dos mundos: amadurecer mentalmente e ganhar vigor físico ao mesmo tempo. Mas, conforme o filme avança, fica claro que o que parecia o melhor dos mundos é uma vida quase tão complicada quanto a de uma pessoa comum. Enquanto muitos filmes mostram um homem comum vivendo histórias extraordinárias, este é sobre um homem extraordinário vivendo histórias comuns.

FOLHA – Este foi seu terceiro filme com Brad Pitt. Recentemente, você o comparou a Paul Newman. Pitt é subavaliado como ator, há um interesse maior por sua vida privada?
FINCHER – Acredito que, apesar das muitas capas de tabloide sobre sua vida pessoal, Brad consegue fazer um bom trabalho. Há essa histeria sobre tudo o que envolve ele e a Angelina [Jolie]. Mas isso não interfere no fato de que ele é um bom ator e um grande colaborador. E muitos diretores partilham dessa visão, de que Brad consegue dar ao personagem aquilo que você planejou. Espero que, quando a histeria passar, mais pessoas percebam isso.

FOLHA – Seu filme usa muitos efeitos especiais, especialmente para fazer o rejuvenescimento de Button, mas sempre de forma sutil, para reforçar o realismo. Isso contrasta com os investimentos atuais de Hollywood em cinema 3D, com efeitos espetaculosos. Qual sua opinião sobre essa tecnologia?
FINCHER – Hollywood está buscando alternativas para continuar a atrair plateias para o cinema e, mais do que isso, para defender seus direitos autorais. A partir do momento em que, como no 3D, são necessários dois projetores de cinema para conseguir assistir a um filme, isso deixa de ser algo que alguém possa baixar na internet. Numa época em que há ofertas de filmes até para celulares (e não sou David Lynch para achar isso bom), o 3D é uma tentativa de preservar esse ritual pagão coletivo de ver um filme em uma sala de cinema, para que nos lembremos que não vivemos sozinhos. Mas não acho que todo filme tenha de ser em 3D nem colorido nem em som estéreo. Tudo depende da ferramenta necessária para contar cada história.

FOLHA – Já que você citou Lynch, quais são seus diretores favoritos?
FINCHER – Não tenho tido tempo para ver todos os filmes que gostaria, então estou sempre curioso para ver os filmes dos amigos. Estou ansioso pelo “Avatar”, de James Cameron.

FOLHA – E quais os filmes que despertaram seu interesse por cinema?
FINCHER – Eu era muito influenciado pelo meu pai, que era cinéfilo. Cresci vendo com ele os clássicos americanos. Numa semana, víamos “Cantando na Chuva”. Na outra, “Janela Indiscreta”. Na outra, “2001, uma Odisseia no Espaço”. Sempre no cinema, numa época pré-vídeo-cassete. E depois essa formação se completou na universidade, em cineclubes.

FOLHA – As indicações ao Oscar saem na próxima quinta e…
FINCHER – Na quinta?! Você está mais informado do que eu.

FOLHA – Mas seu filme deve ter indicações. Qual sua expectativa?
FINCHER – Nenhuma. Só quero continuar a fazer cinema.

FOLHA – Mas prêmios como o Oscar não são importantes a um filme?
FINCHER – Esses prêmios são importantes para pessoas que gostam de medir e comparar coisas. Para mim é muito difícil levar a sério a ideia de comparar quais os méritos de cada filme, de gêneros e propostas totalmente diferentes. É possível comparar uma pintura realista com uma impressionista?

FOLHA – Quais são seus próximos planos? Filmes futuros?
FINCHER – Estou cansado. “Button” e “Zodíaco” me tomaram quase sete anos. Quero dormir nos próximos quatro meses.

(entrevista publicada na versão impressa da Ilustrada deste domingo, 25/1)


via “Ilustrada no Cinema”

Obs.: Neste fim de semana sairá minha crítica sobre o filme no “Guia Cenário Cultural”. Assim que for publicada, trarei aqui para o blog também.

Ricardo Oliveira

3 Replies to “Entrevista com David Fincher na Folha Ilustrada”

  1. Achei muito bom o filme (embora um pouco tanto comprido, e com direito a uma cena meio Amèlie Poulan).

    O tempo voltando ao invés de ir pra frente não resolve a nossa briga com o tempo, já que tem o mesmo fim que o tempo no seu fluxo normal.

    O último inimigo a ser vencido continua inexorável esperando na outra ponta da corda..

  2. Ricardo, assisti o filme, e olha fiquei maravilhado com a obra, destaque para as doses na medida e hora certa de romance, humor e ação muito bem trabalhadas no filme. valeu

  3. Olá, eu tenho um sonho de ser Jornalista.
    Vi que você é um, e portanto estou interessado em todo o conteúdo do site.
    Eu tenho um blog, mas ele é voltado mais à literatura, pois gosto de escrever contos. Eu quero aprender essa habilidade incrível que os jornalistas têm de falar sobre tudo. É maravilhoso.
    Voltarei a visitar. Inclusive já te adicionei em meus favoritos.
    Abraço.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *