[Cinema] Leia a crítica de Ricardo Oliveira sobre ‘É Proibido Fumar’, de Anna Muylaert

Glória Pires e seus cigarros em "É Proibido Fumar"

"É Proibido Fumar"

"É Proibido Fumar"

Os planos capturados pela câmera de Anna Muylaert parecem indicar sempre duas possibilidades. Há certa mise-en-scéne durante vários trechos que nos traz uma impressão certeira: como em O Pântano e A Menina Santa (de Lucrecia Martel) existe um desejo latente nos personagens. Baby, interpretada com vigor por Glória Pires, deseja um homem. Como ela mesma deixa claro, pouco importa se “para casar” ou não. Ela quer viver um amor e aguarda por isso. Enquanto não chega, ela é como um carro e o cigarro é seu cano de escape.

Ao saber da existência de Max (Paulo Miklos em evolução como ator), o desejo latente fica mais óbvio e cenas como a da padaria ganham vigor através de uma simplicidade assustadora. A câmera de Muylaert, em alguns belos instantes, não precisará de planos e contraplanos. Temos corpos e eles agem e reagem de acordo com suas expectativas, seus anseios. Inevitavelmente, suas fraquezas, seus limites, serão os impecilhos para que essa dinâmica flua mais ou menos. Assim, o filme de Muylaert também não deixa de ser sobre o toque, como revelado posteriormente na primeira cena do sofá – Max faz as mãos se cruzarem com certa força, como se afirmasse: “é isso que eu quero e eu sei que você quer”.

Esse cotidiano começa a ser comum ao espectador, fazendo com que, em determinados instantes, um simples movimento de travelling para direta ou para esquerda, nos leve a pensar que algo pode acontecer de forma inesperadaAcontece que, como em Durval Discos, a diretora trabalha com um cotidiano simples, sem muitos acontecimentos, mas com uma carga do que já aconteceu muito presente.  É deixando pistas sobre relações tortuosas com as irmãs (após a morte da mãe) e o aprendizado falho dos alunos de violão, que aprendemos mais sobre quem Baby é, sobre quem ela não é. Assim sendo, esse cotidiano começa a ser comum ao espectador, fazendo com que, em determinados instantes, um simples movimento de travelling para direta ou para esquerda, nos leve a pensar que algo pode acontecer de forma inesperada. Planos quase oníricos como a dança conjunta na festa; as insatisfações na relação amorosa com Max.

Porém, o que acontece se, em determinado momento, unimos o desejo latente ao inesperado? Já no começo da relação entre Baby e Max, ele pede “que ela fume mais pra lá” e em seguida sugere largar o vício. Apaixonada, Baby deixa o cigarro e a analogia do carro continua a fazer sentido: ela está colocando um tampão no cano de escape; e na dinâmica de Muylaert, a “fumaça voltar” quer dizer que uma bomba foi armada. Diante dos desdobramentos da relação, Baby viverá ao  mesmo tempo seu desejo e o inesperado. Após o acontecido, alguns espectadores dirão: era seu desejo; era o inesperado. Pouco importa. Na verdade, Baby e Max, até onde o filme nos permite ir, escolhem continuar no escape já que agora sentem-se livres. Acontece que um abismo chama outro abismo e é na beira deste segundo que Muylaert nos deixa, com bastante destreza.

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