*Este excelente texto de Guilherme Germoglio* foi publicado originalmente em 2002 no primeiro blog de cinema que tive, o Cineblog. Incrível como o problema dos títulos, mesmo 8 anos depois, permanece atual.
Os Brutos Também Amam
Poucos devem ter percebido, mas a série Guerra nas Estrelas, de certa maneira, mudou de nome. Agora, por determinação de um senhor chamado George Lucas, nos quatro cantos do mundo, a hexalogia que foi iniciada pelo meio (a desculpa foi que “naquela época, não havia tecnologia o suficiente para retratar as três primeiros episódios”) se chama agora Star wars. O motivo é óbvio, ainda mais vindo do próprio George Lucas: marketing.
Deixe que eu explico. Digamos que você vai à Alemanha – a passeio ou a trabalho, isso não interessa – e seu filhinho, louco por aquelas navezinhas que atiram para tudo quanto é lado daquele filme que tem aquela princesa que possui um dos penteados mais estranhos do cinema, pede um brinquedo, um presentinho, de lá. Tá certo filhinho. Então, você se encontra na maior loja alemã de brinquedos, um recinto com centenas de metros quadrados de alas e mais alas de diversão para crianças. Faltam cinco minutos para fecharem todas as portas e um dia para o “pai exemplar” voltar ao Brasil. A sua frente, um empregado da loja com cara de poucos amigos. Você não sabe uma palavra que não seja português, ele, uma que não seja alemão. E agora? Ufa! Ainda bem que a série de brinquedos, tanto na Alemanha quanto no Brasil, tem o mesmo nome e você acabou chegando em casa justamente com aquele que faltava para seu filho completar sua coleção. Simples, não?
Agora, o que o título, esta introdução e o resto deste texto têm a ver um com o outro? Isto eu deixo para você, leitor, só digo que eu tinha que começar de alguma maneira.
Confeccionar um título, para alguns, é mais difícil que escrever toda a obra. Sempre devemos nos lembrar que a primeira impressão é a que fica – e primeiro, lógico, vem o título. Título este que deveria ser “imexível”, assim como toda a obra – imagine se, por motivos culturais, Romeu e Julieta (Romeo and Juliet), de Shakespeare, fosse mudado para Severino e Maria?
Infelizmente, para o terror dos artistas e de alguns cinéfilos, insistem em trazerem ao Brasil, assim como a outras partes do mundo, títulos traduzidos e, o pior, com o mínimo de cuidado artístico e/ou bom senso.
“A loucura, nos títulos, é sempre motivo de comédia, basta conferir os “clássicos” da década de 80, onde tudo é “muito louco” (ou “do barulho”, é claro)”Um título pode até ter sido “salvo” pelo marketing, mas outros pereceram por causa, justamente, da auto-promoção. Um exemplo é a série do agente mais famoso de todos os tempos (não, não é Austin Powers, apesar de ter ocorrido algo parecido com ele): Bond, James Bond. Fato: Nenhum, eu disse nenhum, título original dos filmes de 007 possui o código do agente, ou muito menos o “contra”. Ou seja, o certo seria Só se vive duas vezes, You only live twice, e não Com 007 só se vive duas vezes; ou era para ser apenas Octopussy (idem, no original), ao invés do pomposo 007 contra Octopussy.
Apesar de sempre afirmarem que “cinema é cultura”, as distribuídoras, os agentes de marketing e o resto da legião que nos fazem o favor de trazer filmes ao Brasil, acham que somos aculturados – ou estúpidos, dependendo do humor de quem está lendo. Dá até para fazer uma lista dos deslizes que cometem. E isto só em relação aos títulos! Confira:
1. Devem achar que não somos capazes de caracterizar o personagem principal de um filme, afinal o certo é Forrest Gump – O contador de histórias (Forrest Gump), que, por sinal, acabou passando uma impressão que o personagem é mentiroso, o que, definitivamente, não é verdade – palmas para o tradutor!
2. A loucura, nos títulos, é sempre motivo de comédia – barulho também -, basta conferir os “clássicos” da década de 80, onde tudo é “muito louco” (ou “do barulho”, é claro) e/ou sempre tem “um maluco” em todo lugar, seja no exército, na polícia, etc. O engraçado foi que, quando acabaram as variações para a loucura, surgiu o “da pesada” – Eddie Murphy atuou em Beverly Hills cop. Ah! bons tempos aqueles!
3. Há ainda o caso da indecisão: Pulp fiction ou Tempo de violência? A.I. ou Inteligência Artificial? Resident evil ou O hóspede maldito? Registrado em cartório: Pulp fiction – Tempo de violência, A.I. – Inteligência Artificial e Resident evil – O hóspede maldito (isso só para esquentar).
4. Também há o caso da inserção de personagens na história pelo título. Quem me responder quem é o Dr. Fantástico no filme de Kubrick (Dr. Strangelove or: How I learned to stop worrying and love the bomb) ganha um doce. Tudo bem que um dos personagens interpretados por Peter Sellers – o próprio dr. Strangelove – foi fantástico em sugerir, se não me engano, dez mulheres para cada homem…
5. E, por último mas não menos importante, há também a tentativa de brincar com as palavras, como na poesia. Mas, para depois não dizerem que só critiquei, houve uma destas brincadeiras que soou ótima: Um dia, dois pais (Father´s day). Mas, como o Yin não existe sem o Yang: Austin Powers: O Agente Bond Cama (Austin Powers: the spy who shagged me) que, na verdade, era para parodiar o título 007 O espião que me amava (The spy who loved me).
É, deve ser só isto dentro do que me recordo. Se alguém por aí se lembrar de alguma outra pérola titular (gostou? sei brincar também com as palavras!) que não mencionei, não se acanhe, comente! Estamos aqui para isto.
Enquanto isso, na sala de justiça, vou procurar por aqui quando é que irão reprisar Se meu fusca falasse (The love bug, sem comentários) pela milésima vez – afinal toda pessoa necessita de nostalgia de vez em quando…
Até a próxima.
* O que este título tem a ver com o texto? Nada. E nem com o filme o qual representa, que se chama Shane – o personagem principal, que pode até ser bruto, mas não ama.
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* Guilherme é Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Campina Grande. Ele está escrevendo um livro sobre Arquitetura de Software, mas Hollywood e seus blockbusters estão atrapalhando.
Texto muito bom. Só discordo numa coisa: Shane ama, sim, e a história só é como é por isso.