Começam a tocar as primeiras notas de Philip Glass e você já sabe que essa não será uma série normal de ficção científica. Na superfície, Os Contos do Loop (Amazon, 2020) parece uma narrativa de futuro velho: nos anos 1980 uma pequena cidade vive ao redor das capacidades físicas e metafísicas que um laboratório desenvolve a partir de uma descoberta única. O detalhe é que essa cidade, quarenta anos atrás, já vive tecnologias que nem hoje temos, daí o retro-futuro. Robôs vagam perdidos pelas florestas, máquinas agrícolas flutuam, próteses para braços se conectam ao sistema nervoso e funcionam à perfeição. Mas não há celulares, Internet ou o digital como conhecemos. Este tempo anacrônico e imaginado pode lembrar Maniac (Netflix, 2018), outra boa minissérie de mesmo visual, mas tem sua base no trabalho do artista plástico sueco Simon Stålenhag que inspirou diferentes produtos narrativos e chegou em abril ao serviço de streaming Amazon Prime.
Contos do Loop se desenvolve em oito episódios de histórias quase fechadas, que precisam ser assistidas em sequência para sua total compreensão. Essas histórias se conectam direta ou indiretamente entre os personagens, mas muito diretamente ao enredo do Loop, como chamam popularmente os habitantes da cidade o laboratório onde muitos ali trabalham. A cada novo episódio se revelam novas camadas desse enredo central, especialmente ao redor da família de George e Loretta (Paul Schneider e Rebeca Hall, ambos muito bem), dois cientistas que trabalham no laboratório – ele, filho do atual diretor e aparente fundador do lugar.
Criada para TV e escrita por Nathaniel Halpern, de Legion, a série acerta ao colocar seus personagens diante de problemas humanos nascidos a partir de potencialidades ou desafios do impossível. A certa altura, o personagen de Jonathan Pryce, diretor do loop, diz que seu trabalho lá é tornar o impossível possível. Assim, dois amigos descobrem na floresta um dispositivo que os permite trocar de corpos em segundos; uma jovem curiosa com as tecnologias do loop descobre outro dispositivo perdido que permite parar o tempo, as pessoas, as coisas e vagar por aí vendo no que dá. Assim a série ganha constantemente esse tom mitológico, em que personagens vão descobrindo caixas de pandora a cada nova história e vivendo sabores e tragédias de suas descobertas.
Nessa imensidão de possibilidades, para Halpern, pouco importa o que permitiu tudo aquilo ou como as tecnologias respondem a esses anseios, mas sim os próprios anseios e experiências a partir daí. O que torna os episódios ainda mais ricos é que a cada novo desafio narrativo lançado, a série se sustenta com segurança em outras narrativas pregressas, dando sentido e consistência ao plot e, por consequência, gerando novas conexões e curiosidades. Toda ação tem um porquê, ainda que não entendamos todos eles.
O tal loop enquanto artifício narrativo, portanto, parece beber da premissa da caixa misteriosa de JJ Abrams, inclusive fazendo referência direta a Lost e aos androids de Asimov no penúltimo episódio. A caixa permanece ali (no caso da série, uma grande esfera) e não sabemos exatamente o que tem dentro, mas seguimos presos a tudo que acontece ao redor dela. Se a série escorrega apenas em dois episódios seguidos (cinco e seis) é apenas porque parece ter cedido aos fillings do formato, sem que aquelas histórias se conectem tão bem ou alterem o fio principal do enredo. Não compromete o todo de modo nenhum, já que ainda assim, servem para sustentar ainda mais aquele universo e suas peculiaridades.
Cheia de imagens marcantes e momentos únicos nesses tempos em que as narrativas de streaming são tudo que temos, Os Contos do Loop deixa o palco montado e espectadores ávidos por mais – seja uma segunda temporada ou mais trabalhos no mesmo tom.
Abaixo, o tema principal da série, composto por Philip Glass