Tem um estranhamento estético latente em A Vastidão da Noite desde o seu início. Utilizando uma steadycam em longos planos-sequência endoscópicos, daqueles que seguem seus protagonistas pelas costas por onde andam, o filme traz alguma esquisitice técnica que logo se afirma como limitação de orçamento. Estando ciente desse problema, assistir ao filme passa a ser uma experiência conturbada por alguns escorregões técnicos, mas bem satisfatória na narrativa.
O filme conta a história de dois amigos, Everett (um radialista) e Fay (uma telefonista) em uma pequena cidade interiorana dos Estados Unidos nos anos 1950. Os dois caminham à noite conversando sobre o futuro, sobre o jogo de basquete que está acontecendo, enquanto testam um gravador que ela acabou de comprar para gravar seus ensaios de trombone. A conversa é interessante, com relatos dela sobre artigos que leu numa revista de amenidades. A intenção do roteiro é clara em dialogar com o tempo presente, citando dispositivos equivalentes aos nossos celulares e a túneis de transporte de longa distância como aqueles criados pela Tesla.
O plot se desenrola quando Fay começa a receber algumas ligações estranhas em seu posto de trabalho. E para tentar desvendar o mistério do ruído de uma das ligações, liga para Everett, que põe para tocar os sons na rádio local. “Se alguém sabe o que é isso, liga pra gente”. Daí a coisa se desenvolve de forma mais ágil e direta, diferente dos dez primeiros minutos do filme que experimentam uma contextualização relativamente vazia sobre os personagens e a cidade.
Evocando temas como a Guerra Fria, o militarismo americano com suas operações confidenciais e a possibilidade da vida extraterrestre, A Vastidão da Noite parece sempre conseguir se levantar para continuar andando ainda que tropece bastante em sua direção de fotografia. Várias vezes se tem a impressão de que o filme chegou ao streaming sem o devido tratamento de cores e de uma edição para beneficiá-lo. Se o filme acerta muito em um plano-sequência que gera uma tensão a partir do realismo do atendimento da telefonista Fay aos chamados estranhos, erra em outros takes de longa duração, quando claramente faltam contra-planos ou movimentos para gerar mais inquietação diante do que é contado.
Em sua estrutura de conto de mistério, ao melhor estilo Twilight Zone, o filme remete no visual ao estilo sombrio e em tempo real de Coherence, mas sem conseguir dar uma razão convincente para imagens tão escuras. É preciso dizer que saber trabalhar a escuridão e a noite é sempre um feito digno de nota, mas hoje isso se torna cada vez menos simbólico, com câmeras acessíveis, com sensores tão potentes. Não é o caso aqui, mas o filme não deixa de ter seu charme, especialmente pelo modo como conclui. Para os fãs de ficção científica é uma boa conferi-lo, ainda mais diante da escassez de lançamentos que estamos vivendo.
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Abaixo, deixo um exemplo de algo que dá pra encontrar na própria divulgação do filme. A primeira imagem (sim, acreditem) é como o filme está na Amazon e a segunda como alguém editou o mesmo frame para divulgação. Ainda que se entenda a intenção do filme de usar a escuridão como recurso narrativo, há um problema de fotografia meio evidente.
O filtro do filme é o mesmo da câmera que a Fay pega. Não vejo erros aí.
Eu gosto demais de várias decisões de câmera desse filme (principalmente da cena que ela recebe as ligações), mas se essa correção de cor foi uma decisão e não um desleixo, eu desgosto mais ainda. Só deixando claro que nada disso tira o mérito do filme.
PH, acrescentando uma coisa: eu vi o filme sem nem ter visto trailer (tento sempre fazer isso). Fui ver o trailer agora e tem uma clara diferença. Ouvi falar que o problema pode ter sido no sistema de compactação do Prime Video. Até minha TV pode ter influenciado. Sei que a diferença não é tão grande, mas pra mim foi notável. Enfim, não acho que esse seja o único problema “cosmético” do filme, mas é o que mais me incomodou.