Pacto Sinistro (Alfred Hitchcock, 1951)

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Metáfora-síntese

Como se já não bastasse a destreza saborosa dos primeiros segundos de Pacto Sinistro, Hitchcock presenteia seu público com um sutil toque de gênio ainda nesta sequência inicial que não mostra os rostos dos personagens.

A princípio, temos apenas sapatos – e tudo que isto possa significar para pessoas que entendem que eles dizem coisas importantes sobre quem os calça. É no encontro entre estes 2 pares de calçados (fotos 2 e 3 acima) que o filme começa. Os dois personagens nunca foram apresentados e o simples toque da ponta dos sapatos deles é o suficiente para o início de uma conversa – talvez proposital, da parte do personagem de Robert Walker (Anthony).

Acontece que, pela lógica de Einsentein (um plano sucede outro gerando um novo significado), o plano dos trilhos do trem (foto 1) deveria vir depois: ela representa o encontro entre as duas personas e, ainda mais, o truncamento de suas histórias, o conflito. Esta aproximação é representada calmamente, plano a plano, à medida que os dois ficam cada vez mais próximos (mesmo que de forma invasiva por Bruno Anthony), ao ponto de, em seguida, estarem dentro da cabine de Bruno, almoçando juntos e à vontade. O plano do trilhos vindo após a sequência da conversa no trem, seria óbvio. Estaríamos vendo a metáfora daquilo que eles acabaram de passar e viveram durante o roteiro. Mas não é isto que acontece na montagem, já que Hitchcock não era um diretor óbvio quando falamos deste tipo de articulação cinematográfica. Ele escolhe lançar um plano anterior àquilo que pretende mostrar, deixando entender, a princípio, que revela apenas que os dois pares de sapato estão realmente pegando um trem. Entretanto, está lá, nada menos que uma antecipação narrativa em uma espécie de metáfora-síntese: mais do que apenas referendar a ideia de cruzamento de histórias, lembra-nos da inevitável realidade de que temos sempre de escolher um caminho a seguir.

Belo.

A sequência inicial no vídeo abaixo:

Este post faz parte da série “Teoria dos Objetos Inanimados”, baseada na premissa iniciada por Paul Auster em seu livro “Homem no Escuro”. Leia outras análises a partir da teoria.

Ricardo Oliveira

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