“Não há nada gratuito, exceto a graça de Deus”: Bravura Indômita

Longe de ser uma espécie de “moral da história”, sempre há no cinema dos irmãos Coen uma marca geral de qual o caminho trilhado pelo filme. Há algum personagem, trecho ou fala que é a representação ou símbolo-geral do enredo. Em Onde os Fracos Não Têm Vez, um dos seus melhores filmes, e vencedor do Oscar, uma deixa ficou famosa: “Call it, friendo“. Ela é dita por Anton Chigurh (Javier Barden) para obrigar alguém a decidir sobre sua vida num jogo de cara ou coroa. Em Bravura Indômita, que estreia hoje nos cinemas paraibanos, tudo se resume a uma frase dita logo no início, por nossa narradora Mattie Ross: “não há nada gratuito, exceto a graça de Deus”.

Bravura é justamente sobre uma dureza a ser vivida que ultrapassa épocas ou localizações.  A história é universal porque deixa muito claro os dilemas entre os personagens: três gerações diferentes de um velho oeste maltratado pelas crises da época. Jeff Bridges, Matt Damon e Hailee Steinfeld convivem na busca por um mesmo fim, ainda que por diferentes razões. E é justamente esta dinâmica de um mesmo destino com motivações diferenciadas que faz os dilemas surgirem. Na dinâmica do filme eles funcionam bem ao humor, dando uma certa leveza que eu não esperava do filme, considerando seu trailer.

O filme segue um rumo diferenciado ao padrão dos irmãos Coen, acostumados a se apoiar numa boa construção de estereótipos absurdos ou de clichês narrativos. Aqui eles trabalham bem menos esses tiques, o que de certa forma faz falta para o filme ser mais seguro no mundo já conhecido dos diretores. A sensação constante, exceto pela força do final, é de que ele carece de mais brilho a este modo de contar a história. A falta de pontas mais amarradas de cada “seção” da narrativa deixa a sensação de que o filme só tem força ao final ou em alguns trechos específicos, como na cena da cabana. Desnecessário, por exemplo, o investimento num possível afeto entre Mattie e LeBoeuf…que soa sem sal.

Bravura tem, contudo, a sempre curiosa relação dos Coens com certa cosmovisão cristã (ou judáica, em outros casos) presente nas entrelinhas do contexto. Se ele inicia com um provérbio nas cartelas, a versão instrumental do clássico “Amazing Grace” só serve para reforçar a ideia inicial de que alcançar a justiça pelas próprias mãos não deixa de trazer suas cicatrizes afins. Talvez a graça nem importe mais.

BRAVURA INDÔMITA
Irmãos Coen, 2010
110 mins

Assistido em cabine de imprensa no Cinespaço do Mag Shopping.

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